Controvérsia e crise nos 70 anos do MAM do Rio

Museu passa por reestruturação e se prepara para venda de tela rara de Pollock, alvo de críticas no meio das artes

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Por Roberta Pennafort
Atualização:
Fachada do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Foto: Witon Júnior/Estadão

RIO - Um dos principais museus do País, com uma coleção das mais completas de arte moderna e contemporânea brasileira, um histórico de exposições seminais e papel importante na formação de artistas da geração 1960, o MAM-RJ virou notícia este ano mais por suas dificuldades econômicas do que pelas comemorações de suas sete décadas de atividades.

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O anúncio da venda do quadro N.º 16, o único Jackson Pollock em exposição no Brasil, mobiliza há dois meses parte da classe artística, que critica a decisão da direção de se desfazer da tela em nome da almejada autossustentabilidade. Estima-se que a obra, presenteada à instituição pelo magnata norte-americano Nelson Rockefeller em 1952, renda cerca de R$ 80 milhões, a constituírem um fundo.

A decisão gerou controvérsia, entre outras razões, pelo fato de ser incomum um museu brasileiro vender uma obra de seu acervo para se capitalizar, especialmente uma raridade. A motivação do presidente, Carlos Alberto Chateaubriand, e do conselho do Museu de Arte Moderna, integrado por outros 19 colecionadores eminentes, passa por uma palavra que o Brasil está acostumado a ouvir: a crise.

O agravamento das dificuldades econômicas que o País e o Rio, em particular, vêm passando nos últimos três anos fez minguar patrocínios. Hoje, resta apenas o da Petrobrás, mantenedora de um museu privado que, por sua programação (cerca de 25 mostras por ano), relevância e longevidade, é confundido com uma instituição pública.

As receitas do MAM, que vêm do Vivo Rio (casa de shows anexa), do aluguel do prédio para festas, de doações e outras fontes, somam R$ 3,8 milhões anuais, quando o necessário seriam, estima a direção, entre R$ 6,5 milhões e R$ 7 milhões. Isso inclui a Cinemateca do MAM, centro de referência que guarda mais de 8,4 mil títulos e público cativo (40 mil pessoas em 2017, um terço do público do museu), e um rico acervo de documentos sobre cinema e artes plásticas. Esse cenário financeiro está sendo investigado por uma consultoria para que se chegue a um diagnóstico preciso. 

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Uma das obras mais valiosas do museu – a maior preciosidade é uma escultura de Brancusi avaliada em US$ 80 milhões (mais de R$ 280 milhões) –, o Pollock será leiloado dentro de quatro meses, no Brasil, e a expectativa é que o valor sirva a um endownment (fundo que renda dividendos para a instituição ao longo dos anos). O museu já recebeu duas propostas e a ideia é que a tela fique no País.

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“Uma das propostas é de até mais do que R$ 80 milhões. Todo mundo acha uma pena vender. Também acho. Queria estar anunciando uma aquisição. Mas qual museu fez isso nos últimos 30 anos? Eu não conheço”, diz o presidente, filho do colecionador Gilberto Chateaubriand, cuja importante coleção, com 16 mil obras, está em comodato no MAM desde 1993.

“Não adianta vender uma obra hoje, outra amanhã. Será essa só. O foco do museu é arte moderna e contemporânea brasileira. A última vez que houve pedido de empréstimo do Pollock foi em 1996. Poucos lembram dele. A gente tem que perder essa mania no Brasil de ser contra o capitalismo, de achar que o Estado vai ser o provedor de tudo. Não é possível passar 90% do tempo buscando recursos. O MAM já nasceu na crise. Temos que olhar para frente.”

Hoje, falta caixa para preencher lacunas do acervo, o que, espera a direção, será contornado com a criação de um fundo de aquisição de obras, originado no endownment. Também é preciso olhar para a manutenção do prédio. Em 1978, a joia modernista sofreu um incêndio que destruiu 90% do acervo, Picassos, Dalís, Mirós, Matisses e dezenas de artistas brasileiros.

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Além dos 70 anos da fundação do MAM, por empresários e da tragédia com o fogo, 2018 fez coincidir os 60 anos do edifício, de traçado de Affonso Reidy, com jardins de Burle Marx e vista colossal da Baía de Guanabara. O aniversário será lembrado até 2019 em mostras de arte e cinema, ainda não divulgadas. 

Para o curador, Fernando Cocchiarale, há muito o que se celebrar. “Temos coleções importantes, mas os milionários do Rio preferem fazer doações para o MoMA (de Nova York) e para instituições de São Paulo”, aponta. “O Brasil está naufragando, o Rio, abaixo da linha da miséria... É preciso botar na balança: de um lado, são 16 mil obras; de outro, um Pollock.”

O argumento não convence mais de cem artistas e curadores que assinaram manifesto contra a venda do Pollock, e que a consideram uma solução simplista. “Depois vão vender Brancusi? Max Bill? A conta não fecha: daqui a cinco anos o dinheiro acaba. O museu é privado, mas tem função pública. Poderiam vender algo da Coleção Chateaubriand, não do museu”, afirma Luiz Zerbini.

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Waltercio Caldas, que se iniciou nas práticas artísticas em aulas no MAM, em 1964, se diz “perplexo”. “O museu sempre esteve em crise, mas conseguiu ser dinâmico todos esses anos. (O Pollock) é uma perda grande.”

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