Conjunto, o segredo do vencedor

A grande curiosidade é que o melhor filme não tinha atores ou atrizes sequer indicados para nenhuma das categorias

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Por Luiz Zanin Oricchio
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Não houve grandes surpresas. Ganhou, como se previa, Quem Quer Ser Um Milionário?, de Danny Boyle. Talvez o que não se pudesse prever era a lavada que O Curioso Caso de Benjamin Button levou - faturou apenas três estatuetas, as três em quesitos técnicos: direção de arte, maquiagem e efeitos especiais. Na "consciência coletiva", que é o colégio eleitoral do Oscar, o veredicto parece claro. É um filme bem-feitinho, uma proeza técnica, mas pouco mais do que isso. Falta-lhe aquele toque de magia, que faz um filme descolar-se de suas próprias limitações e voar. Já com Milionário, a conversa é outra. Indicado em 11 categorias, venceu em 8. Inclusive em algumas das principais - filme, direção, roteiro (adaptado), fotografia. Mas já se sabia de antemão que não poderia ganhar o chamado "big five", que é a consagração final de concorrentes que concentram as estatuetas de melhor filme, direção, roteiro, ator e e atriz. E por que já se sabia? Porque Milionário sequer estava indicado nas categorias de ator e atriz. Não é curioso? Um Oscar que, segundo certas análises, se definiu pela presença de grandes atores na disputa (Sean Penn, Kate Winslet, Meryl Streep, Philip Saymor Hoffman, entre outros) consagra um filme que, justamente, não tinha qualquer ator ou atriz sequer indicados como protagonista ou coadjuvante. Uma hipótese: Quem Quer Ser Um Milionário? se impõe mais pela força do conjunto do que por seus destaques individuais. Nesse sentido - e talvez apenas nesse - talvez valha a pena aproximá-lo de Cidade de Deus. Assim como Fernando Meirelles quebrou a barreira de indiferença do público com seu elenco então desconhecido, Boyle conseguiu emocionar os membros da Academia com seus até agora anônimos atores e figurantes indianos. Quaisquer que sejam as considerações a serem feitas a respeito do filme de Boyle, não se pode negar a ele esse mérito - o de se impor sem os habituais atrativos dos que se candidatam a sucesso no cinema mundial: nomes conhecidos, grandes cenas de ação, montanhas de efeitos especiais, etc. Milionário, no fundo, é muito simples. Uma história de amor contra um pano de fundo de terríveis contradições sociais. E o que é mais curioso ainda, a mescla de um realismo que às vezes chega à brutalidade com uma aura de fantasia que imanta o projeto como um todo. O filme estreia no dia 6 de março e vai dar o que falar, pois certamente irá dividir opiniões entre o público, como já está dividindo entre a crítica. A cota de surpresas ficou restrita ao vencedor de filme estrangeiro, que todo mundo dava para o israelense Valsa com Bashir, e acabou ficando com o japonês Departures. E também ao prêmio de ator, considerado certo para Mickey Rourke, mas que acabou nas mãos de Sean Penn, por sua caracterização do ativista gay Harvey Milk. É a segunda estatueta de Penn, que já havia vencido pelo papel em Sobre Meninos e Lobos. Rourke tinha a força de interpretar um personagem cuja trajetória parecia um comentário sobre a sua própria vida real. Mas Penn deu credibilidade a um personagem que nada tem a ver consigo mesmo. Isso é ser ator e faz toda a diferença. A Academia percebeu.

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