Conflitos supremos entre justiça e política

Jornalista da ABC lança livro em que esmiúça o funcionamento e a composição da corte máxima norte-americana

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Por Caio Blinder
Atualização:

O julgamento dos ''''mensaleiros'''' no Supremo Tribunal Federal colocou a mais alta corte brasileira no centro dos acontecimentos políticos. O País passou a saber com detalhes quem são os juízes, como funciona o tribunal e seu impacto na vida nacional. Nos EUA, tal alvoroço é rotineiro. Não exige grande esforço de memória listar quem são seus nove integrantes; os grandes repórteres legais são uma sensação e até as redes de televisão têm profissionais especializados cobrindo o setor. Um dos melhores exemplos de profissionais do ramo é Jan Crawford Greenburg, da rede ABC. Seu recente livro, Supreme Conflict (Penguin), dá uma medida das ''''batalhas titânicas'''' pela composição e rumos da Corte Suprema americana. Neste livro, justiça e política andam de mãos dadas. Setores liberais que demonizam o perfil da Corte Suprema não gostaram do veredicto de Greenburg. Para ela, nunca foi plenamente bem sucedido o esforço dos conservadores americanos, desde o governo de Ronald Reagan, nos anos 80, para reverter decisões liberais em temas cruciais como aborto, cotas raciais, pena de morte e separação entre Estado e Igreja. A razão é a mais óbvia possível: na democracia americana, o Judiciário tem vida própria e suas idiossincrasias. Ele não é marionete do Executivo. Basta ver o lamento clássico do republicano Dwight Eisenhower. Ele disse que seus dois piores erros como presidente sentaram na Corte Suprema: William Brennan e Earl Warren, que se tornaram os líderes ideológicos do mais esquerdista tribunal da história americana. Claro que recentemente o pêndulo ficou mais favorável para os conservadores. E o presidente George W. Bush agradece, pois a Corte Suprema ficou do seu lado na pendência eleitoral com o democrata Al Gore. Ironicamente, é gritante a frustração do movimento conservador para impor plenamente sua agenda. Bush teve uma oportunidade histórica de alterar a composição da Corte Suprema, com as confirmações dos juízes cinqüentões John Roberts (que saltou para a presidência com a morte de William Rehnquist, em 2005) e Samuel Alito. Nos EUA, o cargo é vitalício e os 11 anos de duração da corte conservadora de Rehnquist foram excepcionais. No entanto, nem todos os juízes escolhidos por Reagan e o primeiro presidente Bush se moldaram ao figurino conservador. Os liberais também tiveram sua cota de decepção. Eles esperavam que Stephen Breyer, selecionado por Bill Clinton, fosse uma voz progressista mais ousada. A Corte Suprema é um grande e lento navio, manejado por todos os juízes. Na expressão do lendário juiz Oliver Wendell Holmes, são ''''nove escorpiões dentro de uma garrafa''''. É muito difícil virar o barco e contrapesos são acionados quando existe mais turbulência. Sandra Day O'''' Connor se tornou uma voz de moderação e um contraponto ao trio da pesada conservador formado por Rehnquist, Antonin Scalia e Clarence Thomas. Em última instância, ela impediu que os conservadores desmontassem completamente o legado liberal da corte Warren. Com habilidade, ela foi crucial para manter a camaradagem na corte em meio às rivalidades judiciais e choques de egos. Um dos artifícios eram os apetitosos almoços na sua casa. John Roberts, o jovem presidente do Supremo, aos 52 anos, parece ser esperto não só para comandar o respeito dos juízes mais velhos como para impedir que o solitário voto conservador-moderado se alinhe com freqüência com a banda dos quatro liberais (John Paul Stevens, David Souter, Ruth Ginsburg e Stephen Breyer). Para que isso aconteça, é preciso se afastar do conservadorismo mais radical, embora decisões mais recentes como a rejeição de planos de integração racial em escolas públicas das cidades de Seattle e Louisville ilustrem um zelo judicial bem conservador. Para os setores mais liberais na sociedade americana, existe muita ansiedade caso Bush consiga indicar outro juiz. E a âncora liberal, John Paul Stevens, tem 87 anos. De qualquer modo, Bush não poderia fazer nenhuma loucura na indicação, pois o Senado, que precisa confirmar o nome, hoje tem maioria democrata. E Stevens diz que não arreda pé enquanto um democrata não estiver na Casa Branca. Se tudo correr de acordo com o figurino, é muito provável que o próximo presidente americano seja democrata. Isto não significa que os futuros juízes indicados sigam o figurino do Executivo. O conflito supremo é persistente.

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