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Circo paulistano em aquário de vidro

Beleza arquitetônica da Ópera de Arame, em Curitiba, serviu de moldura para Oceano, dos grupos Pia Fraus e Parlapatões

Por Beth Néspoli
Atualização:

De formato circular, construído em metal e vidro sobre um lago e ao lado de uma pedreira, paisagem que pode ser apreciada graças à sua estrutura vazada, o Ópera de Arame é teatro feito para encher os olhos e transformou-se em um dos pontos turísticos da cidade de Curitiba. Foi construído para o Festival de Curitiba, mas ao longo do tempo revelou-se um demolidor de peças. A acústica é sofrível e, sob forte temporal - comuns nesta época do ano -, goteiras surgem de vários pontos e cada relâmpago ilumina teatro e paisagem. É lindo, mas não há espetáculo, por mais feérico, que possa concorrer. Raras são as produções que se adequam ao Ópera de Arame e uma delas foi Oceano, criação dos grupos paulistanos Parlapatões e Pia Fraus, que abriu anteontem - junto com Rainha (s) e Calígula - a programação da mostra principal da 18ª edição do Festival de Curitiba. As peças do Fringe já estavam em cartaz desde a véspera, entre elas A Coleira de Boris, de Sérgio Roveri, e Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade, de Ruy Filho, ainda em cartaz em São Paulo. Hoje à noite é a vez de estrear Aquela Mulher, solo com Marília Gabriela e ontem O Amante de Lady Chaterly, dirigido por Rubens Ewald Filho, fez sua primeira sessão no festival. Como se pode perceber a cena paulista tem presença forte na largada dessa maratona teatral que conta com 26 peças na mostra principal e quase 300 na paralela. Oceano, que volta a SP em maio, revelou-se espetáculo mais que adequado para o Ópera de Arame, que por outro lado valorizou a beleza dessa montagem circense de técnica apurada. Os 1.428 lugares foram tomados por público que aplaudiu diversas vezes os malabarismos, trapézio, acrobacias aéreas e, em solo, vibrou com o vôo de um surfista (de prancha e um divertido topete louro-parafina) e fez a ?hola? quando uma baleia - em plástico e inflável - ameaçava avançar sobre a platéia. O roteiro de Hugo Possolo, Beto Andretta e Raul Barreto mostra equilíbrio entre humor, risco e beleza. Um divertido balé de palhaços com pé de pato, permite um respiro depois de um número perigoso. Objetos e malabares iluminados e coloridos manipulados em palco escuro criam belos efeitos, sem contar a rampa de skate que transforma esse esporte, com seus saltos e acrobacias, em balé. Olhar fixo na dupla de equilibristas de solo que parece romper a lei da gravidade, impossível não perceber que o circo, quando muito bem feito, além de entreter, mobiliza no ser humano algo muito profundo: o ancestral desejo de ultrapassar as fronteiras do humano. Oceano conta com uma dramaturgia, um menino em busca de seu patinho de borracha ?viaja? pelo fundo do mar. Parece frágil, mas tensiona a cena e dá significado aos números para além da simples exibição de técnica. Tal tensão, sem dúvida, é ampliada pela trilha sonora criada por Branco Mello, dos Titãs, que merece ouvidos atentos. O texto do angolano José Mena Abrantes atrai em Amêsa, que veio de Salvador para o Fringe. Dirigida por Suelma Costa, esse solo de Heloisa Jorge foi criado com evidente esmero desde a pesquisa musical e corporal até o cenário e à iluminação. A repetição de frases é bom recurso para reforçar a ideia de (re)ssentimento em Amêsa, mulher que relembra tristezas. Heloisa é atriz de muitos recursos, mas o sentimentalismo exagerado (voz chorosa, socos na mesa, rosa despedeçada)em vez de ampliar significação, as reduz. Pena, porque o equívoco nessa criação não vem da negligência, mas de seu oposto. Antes assim. A repórter viajou a convite da organização do festival

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