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Cinesul homenageia Olney e Torre-Nilsson

O mais importante festival de filmes ibero-americanos do País festeja seus 15 anos destacando dois autores importantes

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Ambos morreram em 1978 e o 30º aniversário da morte de Olney São Paulo e Leopoldo Torre-Nilsson será lembrado pelo Cinesul, que começa hoje, no Rio. Um dos mais importantes (o maior?) evento dedicado à integração do cinema continental no País, o Cinesul 2008 ocorre em cinco locais espalhados pela cidade, mostrando 80 filmes em competição e 160 em seções paralelas. Durante 12 dias, até 29, o carioca poderá se atualizar com as novas tendências do cinema ibero-americano, por meio de curtas e longas, documentários e ficções. São filmes da Argentina, Brasil, Chile, Cuba, Espanha, México, Portugal e Venezuela. O Rio cinematográfico vai falar espanhol - e castelhano - até o fim da próxima semana. Todas as exibições serão grátis. Leonardo Gavina, que criou o evento em parceria com Ângela José - ''Estou com a foto dela aqui na minha frente'', ele diz numa conversa por telefone -, segue na coordenação. Ângela morreu no ano passado, mas sua presença é permanente. Ela é citada in memoriam no catálogo de 2008. ''O Cinesul cresceu muito nestes 15 anos'', Gavina avalia. ''Começou pequeno, como um encontro. Virou festival do Mercosul, depois latino-americano e agora ibero-americano, pois a Espanha, principalmente, é uma grande parceira do cinema latino.'' O Cinesul deste ano abrigará dois grandes eventos paralelos, o 1º Seminário e Fórum de Documentário Latino-Americano, que culminará com a redação da Carta do Rio de Documentaristas Latinos, e o encontro A Música e a Imagem no Cinema, reunindo dois consagrados compositores, o brasileiro David Tygel e o argentino José Luís Castiñera de Dios. Ao saber que Manuel de Falla, de De Dios, sobre o compositor da Andaluzia que se exilou na Argentina, após a Guerra Civil Espanhola, era o filme de abertura, Tygel, admirador de ambos, não sossegou enquanto o Cinesul não promoveu o encontro, que ocorre no dia 23. De Dios e ele vão falar de música e filmes. Expor seus métodos de composição, mostrar cenas. Há quatro anos, o Cinesul já recuperara Manhã Cinzenta, filme de Olney São Paulo que ficou escondido por décadas. Olney era o objeto preferido de estudo de Ângela José, que dedicou um livro - A Peleja do Cinema Sertanejo - ao diretor, que foi calado pela ditadura e esquecido. Olney ganha agora uma retrospectiva, como Leopoldo Torre-Nilsson. A do cineasta argentino foi oferecida pelo Incaa (Instituto Nacional de Cinema Argentino). Não é completa. Privilegia alguns títulos. Torre-Nilsson, filho de cineasta - Leopoldo Torres Rios -, nunca foi uma unanimidade. Como Walter Hugo, no Brasil, ele muitas vezes foi acusado de fazer um cinema de segunda mão. Primeiro, influenciado por seu compatriota Jorge Luis Borges e, depois, a partir de 1957, trabalhando quase exclusivamente sobre roteiros (e/ou originais) de sua mulher, a romancista Beatriz Guido, ele desenvolveu um cinema claustrofóbico, impregnado de referências literárias e vanguardistas, ao mesmo tempo mórbido e onírico. Nos 60 e 70, foi colocado em xeque pelas novas gerações do cinema de seu país. Justamente nesta fase, o grande diretor voltou-se para os temas da construção da identidade nacional argentina, começando pelo poema épico Martin Fierro, de José Hernandez, que venceu o FestRio, em 1969. Como reação a Torre-Nilsson, Fernando Solanas fez Os Filhos de Fierro, cinco anos mais tarde. Embora fosse considerado uma glória nacional, Torre-Nilsson não ficou imune às intervenções dos governos militares. Em 1975, faltando poucos dias para a estréia, Piedra Libre foi proibido pela ditadura, o que levou o autor a se exilar na Espanha, onde preparou, mas não teve tempo de realizar, o que seria seu último filme - Fiebre Amarilla. Como Khouri, Torre-Nilsson também era ''o Sueco''. Em 1957, Cannes descobriu, entre fascinada e horrorizada, La Casa del Angel, que bem pode ter sido - mas nem ela sabe - a origem de todo o cinema de outra argentina ilustre, Lucrecia Martel. As jovens que se banhavam vestidas com longas camisas e as estátuas cobertas para não revelar seus impudores, não eram, apenas, imagens insólitas, mas falavam da repressão familiar e sexual contra a qual se insurgiam o autor e sua mulher (e roteirista). A juventude que se corrompe e as taras das oligarquias - e por isso ele foi tão odiado pelos governos militares - foram os temas de Torre-Nilsson em La Caída, Fin de Fiesta, La Mano en la Trampa, Piel de Verano e Homenaje a la Hora de La Siesta (que filmou parcialmente no Brasil). Com sua personalidade dominadora - e um tipo de cinema à européia'' -, Torre-Nilsson sufocou as novas gerações que só conseguiram se desenvolver (e buscar outros caminhos) após sua morte. O próprio cineasta, consciente de seu isolamento, buscou uma vertente que fosse mais nacional-popular. Encontrou-a nos épicos, a começar por Martin Fierro e, após, El Santo de la Espada e Güemes, La Tierra en Armas. São Paulo bem mereceria também participar desta revisão do cinema de Torre-Nilsson. Leonardo Gavina adoraria trazer o Cinesul a São Paulo (ele já fez isso uma vez). Mas o festival é pobre, falta dinheiro. Será preciso ir ao Rio para ver La Casa del Angel sábado à tarde, às 16 horas, na Cinemateca do MAM.

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