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Cildo Meireles abre maior retrospectiva de seu acervo

Exposição 'Entrevendo', a partir de amanhã, no Sesc Pompeia, reúne 150 obras, entre elas instalações nunca vistas no Brasil, como 'Amerikkka'

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Maior exposição do acervo de obras do artista carioca Cildo Meireles na América Latina, Entrevendo será aberta amanhã, 26, no Sesc Pompeia, reunindo 150 peças, algumas inéditas no Brasil. Cildo, hoje o artista brasileiro de maior visibilidade no exterior, com mostras em espaços como o MoMA e a Tate Modern, é apresentado ao grande público de São Paulo com obras que fazem parte da história da arte, como as instalações Missão/Missões (1987/2019) e Olvido (1987-1989), além de Amerikkka (1991/2013), exibida pela primeira vez no Brasil. A curadoria da exposição é de Júlia Rebouças e Diego Matos, que selecionaram obras de 1960 até hoje.

'Olvido' (1987-1989), instalação de Cildo Meireles presente em sua retrospectiva Foto: FOTO: JF DIORIO/ESTADÃO

Todas as instalações de Entrevendo convidam o visitante a uma experiência sensorial única, assim como despertam nele uma necessidade de entender essas obras no contexto em que foram criadas e nos dias que correm – algumas são tragicamente atuais, como Missão/Missões, que já tem 32 anos e faz referência ao genocídio dos povos indígenas, ou Amerikkka, que, concebida em 1991, traz embutido em seu título os três ‘k’ da Ku Klux Kan, a organização supremacista norte-americana, numa condenação à violência racial (não só nos EUA).

Cildo Meireles na área de convivência do Sesc Pompeia, um dos espaços da mostra Foto: JF DIORIO/ESTADÃO

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Cildo fala de Amerikkka, compostas por 20 mil ovos de madeira e 70 mil projéteis de dois calibres: “Com o avanço da extrema direita em países como a Hungria, EUA e Brasil, a instalação é um comentário dessa regressão e uma crítica a todas as ditaduras, explícitas ou não”. A violência da colonização e o massacre dos povos em nome do embranquecimento sempre estiveram na pauta do artista, filho da arte conceitual – seu ídolo é o italiano Piero Manzoni (1933-1963), que ‘vendia’ suas impressões digitais e classificou Umberto Eco como obra de arte ambulante.

Há na mostra um exemplo dessa admiração por Manzoni, o registro fotográfico de uma performance de Cildo (Atlas, 1995/2006) plantando bananeira em cima da escultura Socle du Monde (Base do Mundo, 1961) do artista italiano. O brasileiro vira um Atlas ao contrário, inversão que subverte a narrativa mitológica do titã que sustenta o mundo nas costas.

A aparência dos objetos quase sempre engana o espectador nas obras de Cildo. Ele conta que, ao conceber a instalação Eureka/Blindhotland (1970-195), procurou uma indústria para fabricar esferas do mesmo tamanho e de diferentes pesos que pudessem ‘enganar’ os olhos – o conceito da instalação é acionar outros sentidos além da visão, para perceber o entorno (o título,Terraquentecega, faz alusão à Brasília, onde o que se vê não é exatamente aquilo que é). “É uma obra que deve muito a Borges e Kafka, especialmente a um conto do último, em que um burocrata é perseguido por uma esfera que quica o tempo todo”. 

A exemplo de Kafka, as criações de Cildo não partem do espaço metafísico, mas do cotidiano, de objetos reconhecíveis como a escada da obra Descala (2003), cuja origem é um projeto desenvolvido para Siena (Itália). “Estava no avião a caminho de São Gimignano quando me veio à cabeça a imagem de uma escada dentro de um poço”, conta. Uma escada disfuncional seria, então, enterrada 40 metros abaixo da terra e suspensa em direção ao céu com a mesma altura. No Sesc Pompeia, essa escada é desconstruída, restando o grafismo do seu desenho.

Mas foi como autor de obras polêmicas, como a série Inserções em Circuitos Ideológicos (1970-1976), que Cildo Meireles ficou conhecido. A conotação política da série é explícita: notas de zero cruzeiro (moeda da época) e garrafas de Coca-Cola com mensagens como ‘Quem Matou Herzog?’ provocaram frisson na época da ditadura. Atualizando as frases, ele carimbou numa nota a mesma pergunta, trocando o nome Herzog por Marielle (a socióloga, morta em 2018). Detalhe: na época da ditadura, essas notas eram devolvidas à circulação. Sem valor, mas com conteúdo. 

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SERVIÇO CILDO MEIRELES.Sesc Pompeia. Rua Clelia, 93, tel. 3871-7759. 3ª. a sábado, 10h/21h30; domingos e feriados, 10h/19h30. Abre amanhã, 26. Grátis. Até 2/2/20.

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