Cia. São Jorge cria provocação cênica em busca de novo rumo

Insatisfação está no titulo: Quem não Sabe mais Quem É, o Que É e Onde Está...

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Por Beth Néspoli
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É meio-dia. Sob o sol forte, três figuras saem pelas ruas despertando curiosidade e provocando reações. São os atores Mariana Senne, Marcelo Reis e Patrícia Gifford da Cia. São Jorge. Sob direção de Georgette Fadel, eles apresentam Quem Não Sabe Mais Quem É, o Que É e Onde Está, Precisa se Mexer, espetáculo que tem como inspiração a obra do dramaturgo Heiner Müller (1929-1995)e estreia hoje. Horário? Meio-dia. Espetáculo ao ar livre? Não exatamente. Há cenas nas ruas, uma espécie de prólogo provocativo, mas logo se chega ao espaço fechado da sede do grupo, na Barra Funda. Ali, o espectador acomoda-se numa espécie de sala de espera, com sua indefectível televisão ligada, bebedouro, revistas. Mas antes de chegar lá, na calçada, diante da porta do Teatro São Pedro, a atriz Mariana diz bem alto: "Não sou Hamlet. Não represento mais nenhum papel. Minhas palavras não me dizem mais nada." É um trecho de peça Hamletmachine, de Heiner Müller, autor que refletiu sobre a crise da representação dramática. Para João Paulo Araújo de Souza e seu amigo Samuel da Costa, garotos de 11 anos em uniforme escolar, a frase é um completo enigma. Mas a exemplo do jovem Hamlet, João Paulo se sente desafiado a decifrá-lo - o que é Hamlet?, pergunta a um adulto próximo. "Pega!" Grita alguém do boteco em frente. "Vem pegar", retruca a atriz. Ninguém ousa. "Depois o louco sou eu", comenta um homem vestido com roupas rotas, observando a passagem do grupo que já segue a atriz no ensaio acompanhado pelo Estado. "Teatro político não é aquele que está ao lado de uma força estabelecida, mas sim o que provoca reação." A frase, do encenador Matthias Langoff em entrevista publicada na revista Vintém, da Cia. do Latão, parece se encaixar perfeitamente no pensamento que funda esse espetáculo. Georgette, premiada e elogiada como encenadora e atriz - intérprete de Elizabeth I em Rainha(s) -, fundadora e uma das diretoras da Cia. São Jorge, grupo cujo talento coletivo já foi igualmente reconhecido, fala de sua insatisfação. "Somos parte de uma geração que cresceu ouvindo falar do fracasso do socialismo. Temos a nostalgia desse movimento interrompido, mas não houve fracasso e sim aniquilação." O texto do espetáculo costura trechos de peças e entrevistas de Heiner Müller com outras inserções, como um texto de Rosa de Luxemburgo. "Ela foi assassinada, como muitos outros ?revolucionários?, e jogada ao rio." Artaud dizia ser Van Gogh um ?suicidado pela sociedade?. Da mesma forma, a ideia de que a utopia de um mundo justo foi ?fracassada? e deve ser retomada sob outros parâmetros parece alimentar o desejo de expressão dos integrantes da São Jorge. "Mas sinto que nossos ídolos ainda são os mesmos", diz Georgette. "Nós, da Cia. São Jorge, estamos neste movimento de tentar provocar um outro tipo de compreensão. Até para nós mesmos. Temos de dar um salto. Não se trata mais de demolir o mundo como na década de 60, há que se ter bom humor para retratar talvez até quanto estamos perdidos, mas gostaria, sim, que fosse também uma arte sangrenta. Eu não me sinto satisfeita com o bom gosto de nosso teatro de grupo, não estou supercontente com isso", diz Georgette. E cita Müller: "Eu sou Ofélia. A mulher na forca. A mulher com as veias cortadas. Destruo o campo de batalha que foi o meu lar. Escancaro as portas para que o vento possa entrar e o grito do mundo. Vou para a rua, vestida no meu sangue." Voltando à montagem, abre-se o palco e a cenografia remete a um apartamento a um só tempo estranho e reconhecível. O lugar onde se habita, se pode namorar e comer bananas no sofá, mas também palco onde o homem cria e simboliza. Espaço que será aos poucos ampliado pelo atores, que tomam a ?sala de espera? e, ao fim, saem para a rua, destino não definido para o público. Serviço Casa de São Jorge. (25 lug.). 70 min. 16 anos. Rua Lopes de Oliveira, 342, telefone 3824-9339. 4.ª a 6.ª, meio-dia; sáb. 15 h. R$ 20

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