Christophe Honoré faz a sua vingança por Truffaut

E também por Godard; diretor de A Bela Junie, em cartaz em São Paulo, fala de nostalgia da nouvelle vague e de como dribla as dificuldades de filmar na França

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Por Luiz Carlos Merten e PARIS
Atualização:

Christophe Honoré anda feliz com os rumos de sua carreira. Nos últimos anos, ele tem conseguido fazer um filme por ano, filmando preferencialmente em dezembro e janeiro. Foi assim que fez em Dans Paris, Canções de Amor e A Bela Junie. É assim que acaba de rodar um novo filme com Chiara Mastroianni, que faz uma pequena participação na cena do bar em A Bela Junie, quando Léa Seydoux ouve Elle Était si Jolie. Chiara não diz nada. Apenas sorri. Já era um indício da participação maior no novo filme, observa o repórter do Estado. "C?est exact", concorda Honoré. A personagem é a mesma? "Pode ser", ele diz. "No filme anterior, não havia nenhuma indicação sobre quem era Chiara nem sobre o que o fazia. Talvez seja a mesma pessoa." A Bela Junie chama-se, no original, La Belle Personne. O filme em cartaz em São Paulo é uma livre adaptação de A Princesa de Clèves, romance de Madame de Lafayette considerado marco do realismo psicológico na literatura francesa. Por volta de 1960, a acadêmico Jean Delannoy - que François Truffaut desprezava, vendo nele um dos baluartes do cinema francês de qualidade que fustigava em Cahiers du Cinéma - fez uma adaptação do livro, com roteiro de Jean Cocteau. "Sim, com Marina Vlady, que era muito bela", lembra-se Honoré. Ele viu o filme, enquanto preparava A Bela Junie, mas, além da atriz, nada mais lhe mereceu atenção. O repórter arrisca sua interpretação. Na época, fase de afirmação do movimento chamado de nouvelle vague, A Princesa de Clèves foi agraciado com o grande prêmio técnico do cinema francês, uma bofetada nos jovens revolucionários da linguagem da nova onda. Ao refazer A Princesa de Clèves como Jean-Luc Godard e Truffaut talvez a filmassem em 1960, Honoré não deixa de estar praticando uma vingança. "Não pensei nisso, não sabia desse prêmio que o filme de Delannoy recebeu. Mas é uma interpretação que me agrada, a minha vingança por Godard e Truffaut." Honoré conversa com o repórter durante a entrevista organizada pela Unifrance, organismo que promove o cinema francês no mundo, como no Rencontres du Cinéma Français, em Paris. Durante cinco dias, de quinta até segunda, foi possível assistir a novos filmes, entrevistar atores e diretores. É um grande momento para o cinema da França no estrangeiro. Há 15 anos, não se vendiam tantos ingressos fora do país para os filmes franceses. Foram cerca de 80 milhões de ingressos. Internamente, o sucesso da comédia Bienvenue Chez les Ch?tis, que ultrapassou 20 milhões de ingressos na França - e foi adquirida por Hollywood, leia-se Will Smith, para um remake -, também atirou os números para cima. No Brasil, o preferido do público foi Caçadores de Dragões, uma fantasia produzida por Luc Besson - de certa maneira, uma exceção, pois os filmes franceses que mais repercutem no País são exemplares do cinema de autor. "Sim, eu sei", comenta Honoré. "Esse fenômeno do cinema de autor francês no Brasil é muito interessante. Claro que não penso no seu país quando faço meus filmes, mas fico muito honrado que o público brasileiro se interesse pelo que estou fazendo." Há um boom de filmes sobre jovens e escolares no cinema francês atual. Entre les Murs, de Laurent Cantet, ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em maio, e na segunda-feira recebeu o Lumière de melhor filme do ano (leia ao lado). Stella, outro filme exibido nos Rencontres, também trata da escola (e da pré-adolescência). "Acho que o que une todos esses filmes é uma preocupação generalizada pelo futuro", filosofa o diretor. Há uma tristeza no cinema de Honoré - nostalgia da nouvelle vague, pergunta o repórter? "Pode-se dizer que sim", responde Honoré. "A França não é o melhor país para se fazer filmes. Tenho conseguido fazer meus filmes, porque custam barato e têm o aporte da TV, mas o que o público aqui quer ver são as ?grosses comédies?, e elas não me interessam." O garoto seduz Louis Garrel em Canções de Amor, mata-se em A Bela Junie. O homem é mais sensível no cinema de Honoré? "Por Deus, não!", ele exclama. "Tudo o que não gostaria era de ser considerado misógino, mas, sim, me atrai essa ideia de uma juventude perdida. Acho que não estaria refletindo o mundo atual, se não mostrasse isso." Sobre Louis Garrel e Clotilde Hesme, que mais que atores-fetiche são cúmplices, ele é definitivo: "Gosto de tê-los sempre comigo. Eles me conhecem tanto. Acho que é uma forma de assegurar que vou conseguir fazer os filmes como quero."

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