Chegou o expresso da angústia

Finalmente toca no Brasil o Radiohead, uma das mais influentes bandas atuais, aguardada há 15 anos

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Por Jotabê Medeiros
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Em 1997, o disco OK Computer, o terceiro álbum do Radiohead, anunciava ao mundo a existência de uma nova e estranha superbanda - um grupo que se movia em meio a brumas sonoras, lamentos e gritos lancinantes, samples e loops de bateria, inferno de guitarras e canções angustiadas e caóticas. A música mais "alegrinha", e que abria o disco, Airbag, falava da "emoção maravilhosa e positiva que você sente quando acaba de se safar de um acidente". Veja especial Radiohead Com todas essas não-credenciais, o Radiohead tinha tudo para naufragar, mas o fascínio pela experimentação - que sempre soou absolutamente honesto em sua trajetória - só fez com que ganhasse mais reputação e fama. Avessos ao comportamento hooligan de bandas como Oasis e Blur, rejeitando as luzes do jet set e casos rumorosos com modelos e atrizes hollywoodianas, ainda assim eles chegaram ao topo. O Radiohead - que finalmente toca hoje em terras brasileiras, no Sambódromo carioca, e no domingo desembarca em São Paulo - não se tornou uma banda refém das multidões, mas pode eventualmente mobilizar multidões; não é amplamente conhecida, mas soa como heresia ignorar sua existência. O tempo que demorou para lotar a Chácara do Jockey dá um indicativo do que representa o Radiohead: os ingressos começaram a ser vendidos em novembro, e até agora ainda se pode encontrá-los (para se ter uma ideia, o grupo adolescente McFly lotou o Via Funchal em apenas dois dias e já tem agendada uma data extra). Para um grupo cuja turnê é aguardada por aqui como o Santo Graal do pop, a falta de excitação parece um anticlímax antecipado para o hiper-estimado Radiohead. Não se iludam. O fã do Radiohead não é rumoroso, e todos os outros grupos de pop rock esperam com ansiedade o momento em que os ingleses sobem ao palco ou lançam um novo trabalho. Seus álbuns se tornaram parâmetro e meta a ser perseguida ou superada pelos colegas de ofício. Liderado por Thom Yorke (vocais, guitarra, piano, composição), um gremlin ruivo de ideias convulsivas e fala prolixa, a banda se mantém unida desde a formação, com Ed O?Brien (guitarra, vocais), Jonny Greenwood (guitarra), Colin Greenwood (baixo) e Phil Selway (bateria). Eles formaram o Radiohead quando ainda eram estudantes na Oxford University, em 1988. O Radiohead estreou em disco em 1993, com Pablo Honey. O álbum emplacou um hit, Creep, que carregava consigo a malnutrida ambição de Thom Yorke de viver à sombra de um ídolo, o trágico cantor Jeff Buckley. Vivia-se o auge do grunge, e eles iam na direção oposta. Havia ali apenas um ensaio do que o grupo viria a se tornar, desenhando-se timidamente a fórmula que os tornaria célebre (em meio a uma certa confusão de referências): uma placa tectônica de barulho de guitarras por baixo da canção, à moda do Sonic Youth; uma pitada de alienação e tragicidade à maneira dos Smiths; um certo desprezo calculado pelas armadilhas do sucesso fácil. "Oh no, pop is dead, long live pop/One final line of coke to jack him off", cantava Thom Yorke em Pop Is Dead. Depois de Pablo Honey viria The Bends (1995). A capa mostrava uma figura humana distorcida com equipamentos médicos para ressuscitamento presos ao tórax. "Afunde sua alma em amor", dizia a letra de Street Spirit. Canções plenas de fragilidade e sarcasmo, como Fake Plastic Trees e Bones, anunciavam já o futuro do pop, que viria no ano 2000, com o provocante álbum Kid A. Em Kid A, baterias eletrônicas e teclados sequenciados aliados ao uso de instrumentos tradicionais, como violões (e outro muito pouco tradicional, o francês Ondes Martenot, instrumento elétrico dos anos 20), criavam um ambiente niilista, desesperado, de fin-de-siècle. O disco ganhou um Grammy e impôs à indústria a geografia dura e angustiada de músicas como How to Disappear Completely, The National Anthem e Everything in Its Right Place. Em 2001, a banda lançou Amnesiac, um retorno às guitarras e ao punch do pop discursivo, à moda do R.E.M., cheio de letras enigmáticas e referências esquisitas (Pyramid Song remete-se à mitologia egípcia). Thom Yorke creditaria ao compositor polonês Krysztof Penderecki as influências de Hail to the Thief (2003), o álbum seguinte, mas a presença de formas saturadas do pop não convenceu totalmente a crítica. A banda está atualmente em turnê promovendo seu mais recente álbum, In Rainbows (2007), o sétimo da carreira, que foi lançado de forma inovadora: terminado o contrato com a gravadora EMI, o disco saiu pelo site oficial do Radiohead. Para baixá-lo, os fãs só precisavam pagar a quantia que julgassem justa. "Não funcionaria com qualquer banda, especialmente as que estão começando, mas para um grupo estabelecido como o Radiohead - para quem o dinheiro não é realmente uma preocupação - acho que é um passo interessante e criativo. Por sinal, a banda inglesa The Charlatans decidiu fazer exatamente a mesma coisa, mas eles tiveram a má sorte de anunciar seus planos apenas algumas horas antes do Radiohead, e o Radiohead atraiu toda a atenção", disse Robert Dimery, editor do livro 1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer, que destaca cinco discos do Radiohead. Em entrevista ao programa de TV Fantástico, o guitarrista Ed O?Brien disse que os resultados da estratégia foram surpreendentes, e que os brasileiros estão entre os que menos pagaram para ter o álbum. No México, no Foro Sol, em show no domingo, o grupo tocou todas as dez canções de In Rainbows, além de hits como Lucky, No Surprises, There, There, Fake Plastic Trees, Everything in its Right Place. Entre as surpresas, The Gloaming, do álbum Hail to the Thief. Mas não tocou o maior de todos seus hits, Creep. O Multishow vai exibir às 20h30 do domingo, direto da Chácara do Jockey, os shows do Radiohead, do Los Hermanos e do Kraftwerk no festival Just a Fest, com apresentação de Edgard Piccoli. Hoje no Rio Praça Apoteose (30 mil pessoas). R. Marquês de Sapucaí s/n.º. Informações: (21) 2545-9411. R$ 200 (bilheterias - 9 h às 19 h). 16 anos. Hoje, 18 h - abertura dos portões 16 h. Domingo em São Paulo Chácara do Jockey (30 mil pessoas). Av. Francisco Morato 5.100 - acesso pela Av. Pirajuçara, s/n.º. Informações: (21) 2545-9411. R$ 200 - nas bilheterias do Estádio do Pacaembu - Rua Prof. Passalaqua, s/n.º - 9 h às 18 h). Domingo, 17h30 - abertura dos portões 14 h THOM YORKE, CANTOR "Criar música para mim se resume em dar voz a coisas que normalmente não são expressadas, e um monte dessas coisas são extremamente negativas. Tenho de permanecer positivo, porque de outra maneira eu enlouqueço." "Tem bandas que eu dou uma olhada. Como Black Keys. Estou animado com o Deerhoof. Liars, eles são do cacete. LCD Soundsystem. E Modeselektor." Radiografia 1989: Em Oxford, Yorke e seus colegas de universidade criam a banda On a Friday, que lança o EP Drill, em 1992. O grupo virou o Radiohead. 1993: Após o lançamento de Pablo Honey, o grupo excursiona pelo mundo abrindo shows para Belly e Tears for Fears. 1995: O grupo entra em estúdio com o produtor John Leckie para produzir The Bends. Fiasco de venda. 1998: O disco OK Computer chega ao primeiro lugar das paradas nos Estados Unidos e é eleito álbum do ano. 2008: A banda jogou na rede In Rainbows. Cada internauta pagava o que quisesse.

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