Centro Cultural Correios promove retrospectiva de Djanira

A mostra, que reúne 120 das 813 obras que estão no acervo do Museu Nacional de Belas Artes do Rio, cobre os temas principais de sua pintura

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Por Antonio Gonçalves Filho
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Artista muito disputada no leilão judicial da massa falida do Banco Santos, realizado na terça (22), a pintora Djanira (1914-1979), que teve uma tela arrematada por quatro vezes o seu lance inicial (saltou de R$ 40 mil para R$ 165 mil), ganha agora uma retrospectiva no Centro Cultural Correios de São Paulo, a partir do dia 3 de dezembro. Realização conjunta do Centro, Museu Nacional de Belas Artes, Ibram e Ministério da Cultura, a exposição Djanira: Cronista de Ritos, Pintora de Costumes reúne 120 das 813 obras do acervo do museu carioca, selecionadas pela curadora Daniela Matera.

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A mostra traz óleos, têmperas, guaches, gravuras e desenhos da artista produzidos entre 1940 e 1970. A curadora dividiu a exposição em quatro segmentos: a pintura de caráter religioso, a paisagem, o lazer e o trabalho. Djanira, ativista social de temperamento forte, era também uma mulher religiosa, que se tornou freira carmelita em 1972 e foi enterrada descalça e com o hábito de irmã da Ordem Terceira do Carmo sete anos depois.

Sua genuína relação com o trabalhador brasileiro – tanto o lavrador como o operário – foi construída desde a infância. Abandonada aos 2 anos na casa de vizinhos, em Santa Catarina, passou a infância à espera do retorno dos pais, trabalhando na lavoura e como cozinheira, antes de aprender a costurar. Aos 23 anos, morando em São Paulo e tuberculosa, foi internada num sanatório. Lá começou a desenhar, sobreviveu à doença, mudou-se para o Rio e criou um pequeno ateliê de costura no bairro de Santa Teresa, que logo virou uma pensão, frequentada por artistas como Milton Dacosta e Vieira da Silva.

O contato com esses pintores foi fundamental para que Djanira retomasse a pintura e frequentasse um curso noturno de desenho no Liceu de Artes e Ofícios. Paralelamente, por volta de 1940, passou a ter aulas de pintura com dois de seus hóspedes, Emeric Marcier e Milton Dacosta. Em 1943 fez sua primeira exposição individual, na Associação Brasileira de Imprensa. Dois anos depois, foi para Nova York, onde permaneceu até 1947. Nesse período, conheceu a obra de pintores como Chagall, Léger e Miró, sendo fortemente influenciada pela pintura do primeiro.

O fato de Djanira não ter formação acadêmica e dividir o imaginário dos pintores ingênuos, quase sempre idealizando a paisagem e os tipos populares, fez com que ela fosse classificada por equívoco entre os artistas naïf, rótulo que a incomodava. “Há, claro, essa questão onírica dos ingênuos, mas ela, decididamente, não era naïf”, confirma a curadora. Segundo Daniela Matera, a presença de elementos da pintura de Bruegel e Chagall em suas telas revela uma percepção de movimento próxima do Renascimento flamengo e do surrealismo, sem conexão com a pintura dita “primitiva” no Brasil, como prova sua tela O Circo (1944), composição espiralada entre os dois polos, incorporando ainda a modernidade de Léger.

Essa pintura indica uma mudança cromática radical na pintura de Djanira dos anos 1940, marcados por tons rebaixados. Nos anos 1950, depois de uma viagem pela Europa e a ex-União Soviética, suas cores ficam mais vivas, como no guache sobre papel Um Verdadeiro Vestido de Noiva (1956) e o cartaz desenhado para a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius Moraes e Tom Jobim, também do mesmo ano, que revela nas cores e na composição o forte impacto da obra de Matisse sobre Djanira (em especial as collages da série Jazz do pintor francês, de 1947).

'Um Verdadeiro Vestido de Noiva', ilustração do livro deXavier Placer: chagalliano Foto: Divulgaçãoi

Quando Djanira se engaja em causas políticas, após a viagem pela União Soviética, o resultado é um cromatismo mais sóbrio, como o estudo em têmpera Indústria Automobilística, obra concebida para o navio Princesa Isabel da Companhia de Navegação Costeira, em 1962, um trabalho quase monocromático – vale lembrar que ela ajudou a organizar o Salão Preto e Branco, em 1954, para protestar contra os altos impostos de importação de tintas. “Mais forte que isso, é que ela procurou em sua pintura entender quem e como somos, sem nada de ufanismo”, conclui a curadora.DJANIRA CRONISTA DE RITOS, PINTORA DE COSTUMES Centro Cultural Correios. Av. São João, s/nº, 2102-3690. 3ª a dom., 11h/ 17h. Abre 4/12. Grátis. Até 5/2/17. 

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