Celso Lafer lança livro sobre a obra de Lasar Segall

Volume reúne ensaios do ex-ministro que abordam, entre outros temas, o papel do judaísmo, o humor e o conteúdo humanista na arte do pintor

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer tinha 10 anos quando sua mãe o levou ao Masp, em 1951, para ver a grande retrospectiva do pintor de origem lituana Lasar Segall (1891-1957). Em 1952, o então diretor do museu, Pietro Maria Bardi (1900-1999), ofereceu a seus pais, que tinham laços de amizade e familiares com o artista, um exemplar de seu livro com um desenho original que acompanhava a edição especial. Era um pequeno autorretrato de Segall, feito em tinta sépia sobre papel, semelhante ao óleo pintado no mesmo ano (1927) pertencente ao acervo do Museu Lasar Segall (Rua Berta, 111, Vila Mariana), onde Lafer lança hoje, dia 12, às 15h30, um estudo sobre sua obra, Lasar Segall: Múltiplos Olhares.

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Essa referência ao autorretrato de Segall, num dos ensaios do livro, vem a propósito de sua visão da peça como uma chave interpretativa da obra do pintor. O percurso do artista, afirma Lafer, “responde à diversidade de seu olhar perscrutador, instigado, por sua vez, pelo impulso de uma necessidade íntima”. Em consequência, não poderia ser outro o título de seu livro além de Múltiplos Olhares. Cada técnica – pintura, desenho, gravura, escultura – tem sua autonomia e se manifesta concomitantemente na obra de Segall, afirma Lafer.

Lafer conclui que é na pintura sobre papel, e não em outras formas, que se encontra o “humour de Segall”, citando dois exemplos de alegorias dos anos 1930 – um macaco e um avestruz – que o artista criou para um baile de carnaval. É também na pintura sobre papel, segundo Lafer, que “encontramos o potencial da intencionalidade do olhar abstrato de Segall, que entendia caber a abstração na pintura decorativa”.

Com efeito, a arte de Segall é, em sua essência, figurativa, mas tem uma ou outra aventura pela abstração geométrica, como prova o projeto de cor para decoração do Pavilhão de Arte Moderna de Olívia Guedes Penteado, reproduzido no livro, um guache de 1925 – em plena ebulição do modernismo brasileiro – cuja construção é decididamente formalista. Lafer chama a atenção para um fato curioso: sendo o judaísmo um “componente forte no percurso de Segall”, as letras hebraicas (seu pai era um escriba da Torá) representaram para Segall o primeiro contato com uma composição de caráter arquitetônico, abstrato, que o conduziria à modernidade na pintura.

Já no ensaio inicial do livro, que fala sobre o judaísmo na obra de Segall, o autor lembra que o artista, evocando a proibição de reproduzir a figura humana pela religião judaica, tinha consciência do quanto era problemático o conceito de uma arte pictórica judaica, observando que “existe algo especificamente judaico na obra de Chagall e Modigliani”. Em busca desse “algo específico”, Lafer analisa a infância do pintor e as obras em que faz referência aos caracteres hebraicos e símbolos religiosos para descobrir o que aproximaria Segall de Chagall e Modigliani, pintor judeu que não explorou temas judaicos (ocasionalmente, só no começo de carreira). O autor conclui que os três “ouviram a mesma voz da tradição judaica”, mas Segall talvez ouviu mais, como admitiu em entrevista a Anatol Rosenfeld no ano de sua retrospectiva no Masp, ao realçar a relevância dos motivos judaicos em sua obra.

A despeito disso, obras-primas como Navio de Emigrantes (1939/1941) não se referem exclusivamente ao destino dos judeus, como salienta o autor. Tem, sim, características de uma grande pintura histórica, mas não épica. A “temática judaica da errância forçada”, segundo Lafer, é ampliada para denunciar a “condição existencial do refugiado”, esse ser tão “indesejável” no tempo de Segall como nos dias de hoje, quando muitos ainda morrem embarcando rumo a destino incerto. Segall registrou o que viu na terceira classe do navio em sua primeira viagem ao Brasil. E sua obra ainda é um sinal de alerta.  

LASAR SEGALL: MÚLTIPLOS OLHARESAutor: Celso LaferEditora: Imprensa Oficial (192 págs.,R$ 60)

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