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Carlitos de papel mantém a graça

Personagem criado por Charles Chaplin em 1914 é usado em série infanto-juvenil com ilustrações do francês Olivier Balez

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Criado em 1914 pelo ator e diretor de cinema Charles Chaplin (1889-1977), o vagabundo Carlitos escapou da telas para as páginas dos livros pelas mãos de um outro aventureiro, o ilustrador francês Olivier Balez, que já encarou outros desafios antes, como o de transpor para os quadrinhos o clássico Moby Dick, de Hermann Melville. Associado à escritora de livros infantis Laurence Gillot - "chocólatra, 40 anos, alguns dentes de cerâmica e duas filhas pequenas" -, Balez desenhou há dois anos (para a Éditions Bayard) duas histórias adaptadas de filmes realizados pelo maior nome do cinema mudo, O Garoto (1919), primeiro longa de Chaplin, e Em Busca do Ouro (1923), agora lançadas pela editora Martins/Martins Fontes (60 págs., tradução de Estela dos Santos Abreu, R$ 24,80). O Garoto talvez seja o filme mais amado de Chaplin - e também com o maior número de referências autobiográficas, tendo revelado o pequeno Jackie Coogan como companheiro de trapaças de Carlitos. Em Busca do Ouro é uma superprodução com 600 figurantes, filmada nas Montanhas Rochosas e nos estúdios do ator em Hollywood. Lá, técnicos tentaram imitar as montanhas do Alasca, escaladas por exploradores de ouro, com pedaços de madeira, arame, lona e gesso, usando farinha e sal no lugar de neve. A adaptação de O Garoto é mais que uma série de desenhos inspirada no filme, que conta a história de um bebê abandonado pela mãe, uma cantora solteira, e encontrado por Carlitos junto a uma lata de lixo. É uma adaptação fiel, que respeita o filme, reproduzindo cenários e situações armadas em detalhes por Chaplin, como a sequência em que Carlitos volta para casa após perder o garoto para um inescrupuloso gerente do albergue onde passam a noite. Para quem ainda não viu o filme - se isso é possível - , Carlitos cria o pequeno João em seu pequeno sótão, ensina-o a quebrar janelas para ganhar algum dinheiro (consertando as vidraças, claro) e, finalmente, é separado do garoto quando este fica doente e o médico resolve chamar o diretor de um orfanato. Esse momento, o mais dramático do filme - em que Jackie Coogan chora dentro da caminhonete do orfanato, implorando para ficar com o pai adotivo - perde naturalmente a força na transposição para o papel, mas a sequência em que Carlitos sonha que ele e o garoto viram anjos e estão voando tem um toque surrealista em nada inferior aos efeitos do filme. Laurence Gillot recomenda o livro para crianças entre 6 e 8 anos, comentando nas páginas finais as semelhanças entre a vida de Chaplin e a do garoto de seu filme. A personagem da mãe solteira, por exemplo, faz lembrar a do realizador, doente mental abandonada pelo marido e separada de Chaplin quando ele tinha 7 anos. Levado para um orfanato, ele só a veria novamente quando adulto. Em Busca do Ouro cede mais ao registro de comédia romântica. Carlitos, o vagabundo de fraque esgarçado, bengala, chapéu-coco e modos de cavalheiro, resolve escalar as montanhas geladas do Alasca em busca de fortuna. Para se proteger do frio, entra na cabana de um bandido, depois também ocupada por um explorador que perdeu sua tenda, carregada por uma tempestade de neve. Isolados e com fome, eles decidem sortear o nome do infeliz que deve sair à caça. É Black Larson, o bandidão. Cansado de esperar, Carlitos resolve fazer uma sopa com seu sapato. A sequência segue rigorosamente o roteiro do filme, que tem momentos antológicos, como Carlitos espetando dois garfos em pãezinhos para imitar os passos de uma bailarina, ?entrechats? e ?grands écrats? sonhados na mesa do réveillon que não acontece. Oliviez Balez é mestre em traduzir a decepção do sonhador Carlitos quando este desperta - o que acontece com frequência em seus filmes. Ele usa o recurso da elipse literária retirando o protagonista de cena de modo sutil e econômico - ele gasta apena suma página para mostrar como Geórgia, a dançarina de saloon por quem Carlitos está apaixonado, se diverte com as amigas imaginando o pobre vagabundo à espera. Balez é um pesquisador atento. Reproduz com minúcia a maquete da cabana em miniatura que Chaplin usou para simular o balanço da mesma sobre o abismo, quando Carlitos exagera na bebida, obtendo um efeito impressionante com o uso monocromático do azul. As crianças podem não entender, mas os pais vão adorar.

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