Busca por diversidade geográfica

É a promessa da organização para futuro da mostra curitibana que encerrou domingo sua 18ª edição

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Por Beth Néspoli
Atualização:

Terminou ontem a 18ª edição do Festival de Curitiba. A próxima deve ocorrer entre os dias 16 e 28 de março e buscará maior amplitude geográfica, mais espetáculos das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte, segundo afirmou o diretor Leandro Knopfholz ao realizar o seu balanço do evento. A concentração de montagens das regiões Sul e Sudeste foi uma das críticas feitas pelo Estado à programação deste ano. Só de Curitiba havia 159 produções entre as 290 do Fringe, número anunciado pelo próprio diretor na entrevista de encerramento. Leia blog especial sobre o festival Na reta final, alguns espetáculos atraíram a propaganda boca a boca. Um deles foi Rosa de Vidro, produção de São Paulo. Na reportagem de abertura do festival, o Estado chamou atenção para a presença, na mostra principal, de duas encenações distintas da peça de Schiller, Mary Stuart. Uma delas, Rainhas (s) era adaptação radical realizada pelo trio Cibele Forjaz, diretora, e pelas atrizes Georgette Fadel e Isabel Teixeira, esta última premiada com o Shell por esse trabalho. A outra, intitulada Maria Stuart, trazia o texto na íntegra na tradução de Manuel Bandeira e tinha Júlia Lemmertz e Clarice Niskier entre os dez atores dirigidos por Antônio Gilberto. Passou despercebida, no entanto, a presença de duas versões de À Margem da Vida, de Tennessee Williams, de contraponto semelhante. O texto não sofre interferências em Zoológico de Vidro, montagem dessa peça que estava na mostra principal, tem Cássia Kiss no elenco e já havia cumprido temporada em São Paulo. Na programação do Fringe, Rosa de Vidro parte do mesmo texto, mas tem dramaturgia de João Fábio Cabral, que ?acrescenta? ao original textos e ações dramáticas. Alguns dados da biografia do autor - o original é inspirado em sua história de vida - são acrescidos à cena. A criação de devaneios e pelo menos um solilóquio trazem à tona o que o autor deixara como subtexto. À primeira vista uma ?operação estética? muito perigosa, mas que olhada sem purismos ou reverências excessivas resulta bem nessa a encenação, que conta com direção muito segura de Ruy Cortez e bons intérpretes. Detalhes, aparentemente simples, são reveladores do domínio do diretor sobre os recursos do palco e imprimem agilidade à montagem dessa peça sobre o convívio familiar na juventude do personagem Tom (claramente alter ego do autor), que ele relembra anos mais tarde. Por exemplo, uma parede de caixas de papelão no fundo do cenário faz às vezes da sapataria onde Tom (José Geraldo Rodrigues) trabalha - e bastam alguns passos para ele passar de sua casa ao trabalho, sem tempos mortos - e, em outra cena, é a cozinha da casa. Num outro momento, a atriz que vive Rose, a filha (Julia Bobrow), simplesmente pega a ponta de um tapete da sala, o acaricia, e a repreensão imediata de sua mãe (Gilda Nomacce) leva o público a perceber que ela tem ao colo um cachorro. No teatro, desde Shakespeare, o espectador sempre aprecia ser chamado a ?construir? junto, a ter sua imaginação estimulada. A adaptação sublinha o entendimento dessa peça como um pedido de desculpas tardio do autor à sua irmã, cuja sensibilidade, semelhante à sua, não encontrou canal de expressão. O efeito é quase transmutar em força a fragilidade de Rose, vencida afinal pela opressão do ambiente, causada tanto pela pobreza quanto pelo autoritarismo de sua mãe igualmente desamparada. Entre as boas atuações, inclui-se Ricardo Gelli no papel do colega de trabalho de Tom. Só Rodrigues, nas discussões com a mãe e no solilóquio com o amigo, destoa do tom geral, mas acaba de entrar no elenco, o que serve de desconto. Também de Tennessee Williams, Fala Comigo Como a Chuva, veio de Minas para o Fringe. Dois atores de trajetória reconhecida, Samira Ávila (da primeira formação do grupo Espanca!) e Luiz Arthur atuam sob direção de Cynthia Paulino, numa encenação que buscou valorizar a visualidade, fazendo da água elemento simbólico forte. A peça flagra um casal no momento difícil da ruptura. A água está nas garrafas que o personagem vira sem conseguir aplacar sua sede (de mudança?), escorre pelas paredes (como o tempo?) inundando o quarto do casal, cai do palco em ducha fria sobre o corpo da atriz. Também simbólicas são as roupas superpostas que ela tira, uma após a outra, para tornar a vestir, as mesmas, porém não mais como antes, agora molhadas. Mas o formalismo nessa encenação sem concessões, que conta com bons intérpretes, acaba por dificultar além da conta a comunicação. Na saída do espetáculo, um casal de cabelos brancos, comentava: "Teria de ler o texto para entender." Não deveria ser preciso. Na reta final, foi a vez de estrear o juvenil Tá Namorando! Tá Namorando!, do grupo cearense Bagaceira, que participou da mostra principal, com dois espetáculos. O outro, adulto, Lesados, já passara por alguns festivais, com críticas positivas. O juvenil acabou por revelar-se mais infantil, sem que isso seja demérito. A encenação está estruturada em pequenos flagrantes de aproximação: uma menina tenta atrair o olhar de um garoto, o máximo que consegue é uma briga e quando estão aos tapas são interrompidos pelo coro - tá namorando! -, interjeição que fecha todos os esquetes, sempre uma ?acusação? de crianças para crianças. Máscaras e movimento coreografados são bons recursos para fugir de um naturalismo banal, mas tal opção quase ultrapassa limites, tocando a caricatura. Fica na fronteira. Entre as montagens curitibanas merecem destaque Árvores Abatidas ou Para Luis Melo e Tropeço. A primeira, baseada em texto de Thomas Bernhard, é apresentada na casa do diretor Marcos Damasceno e é um solo de sua mulher, Rosana Stavis, uma atriz talentosa, cheia de recursos corporais e vocais, entre eles o domínio do canto lírico. Cenografia, o bom uso da pontuação musical realizada ao vivo pelo violinista Roger Vaz, e uma adaptação sutil do demolidor texto de Thomas Bernhard completam a qualidade dessa encenação comentada no blog de cobertura do festival. Tropeço é um espetáculo de 35 minutos, que flagra o relacionamento de duas velhinhas, criadas apenas com as mãos pelo casal Katiane Negrão e Dico Ferreira. Bastaria o virtuosismo técnico e já seria um pérola. Mas o desfecho provoca a releitura da cena inicial e imprime um salto artístico à essa criação. A repórter viajou a convite da organização do festival

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