Booker impulsionou um livro azarão

Obra de Anne Enright foi vendida a 28 países depois de derrubar, no ano passado, favoritos como Ian McEwan e Lloyd Jones

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Por Ubiratan Brasil
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O livro O Encontro, da irlandesa Anne Enright, tinha vendido apenas 3.500 cópias no Reino Unido até o dia 16 de outubro do ano passado, quando foi anunciado o vencedor do Man Booker, principal prêmio literário da comunidade britânica. Tão logo passou a surpresa com a aclamação de seu nome, os negócios fervilharam: 28 países compraram os direitos de tradução. O Encontro derrubou franco favoritos como Ian McEwan, que disputava com Na Praia (Companhia das Letras), e Lloyd Jones, com O Sr. Pip (Rocco). O júri justificou a escolha por se tratar de uma narrativa potente, desconfortável e impressionante. De fato, o livro traz uma saga familiar sobre as desventuras de três gerações de um clã irlandês. Ambientada nos anos 1990, a história acompanha Veronica, que busca recuperar as memórias do abuso sexual sofrido pelo irmão, Liam, dentro da própria família, que tem dez filhos. A narrativa percorre três décadas e culmina com o suicídio de Liam, o que provoca o tal encontro do título. Com uma escrita cortante, impiedosa, Anne Enright justificou a premiação, sobre a qual respondeu às seguintes questões, por e-mail. Críticos foram enfáticos em dizer que seu romance é sombrio. Não defendo meus livros, apenas os escrevo. Procuro manter-me coerente com a necessidade de cada um deles. Algumas pessoas tacharam o livro de ?sombrio?; outras, de ?belo? ou mesmo de ?engraçado?. Enfim, não me interessa controlar tais reações. Já o jornal The New York Times reclamou que há muito desconforto na história. Não ofereço o consolo fácil que as pessoas muitas vezes procuram em uma narrativa. Não escrevo histórias corretas nas quais tudo é feito às claras e todos os finais são conclusivos. Meus personagens são pessoas indecisas - eles não sabem realmente o que está acontecendo. Se os leitores encontram uma insegurança perturbadora, lamento dizer que não serão consolados. E se as pessoas também não acreditam na morte, isso é com elas. Não tenho nenhuma opinião sobre o publicado pelo New York Times. Falando agora sobre desejo sexual, como desejo e ódio estão intimamente vinculados? A narradora de O Encontro, Veronica, está interessada no desejo sexual masculino e na relação entre homens, desejo e amor (ou ódio). Como seu irmão foi abusado por outro homem, ela se questiona como alguns homens podem praticar o mal e chamar isso de sexo. Essa incerteza sobre o desejo masculino se espalha para os homens que a cercam e especialmente para a idéia que ela faz do marido. Veronica questiona os limites dele. O Encontro, você insiste, não é autobiográfico, mas há momentos inspirados em sua vida. Não tenho outra vida que não a que já vivi. Para o livro, roubei um pouco da minha trajetória e outro tanto de outras pessoas. A narrativa também reserva especial atenção para a linguagem. Como foi o trabalho? É trabalho do escritor criar boas sentenças. Às vezes, chego a pensar que é essa a real função de um escritor. Há algum conceito especificamente irlandês de família? Como seria isso? É o mesmo em qualquer lugar, exceto talvez em Londres ou Manhattan. A família é moldada no lugar onde nascemos.

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