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Bob Dylan troca secura por ternura em novo CD

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Sempre solitário como um carcará, Bob Dylan resolveu ter companhia em seu novo disco, Together Through Life (Juntos pela Vida Afora), lançamento da Sony Music. É a primeira vez que ele divide um disco quase inteiramente com outro artista (das 10 composições, 9 têm letra dele em parceria com Robert Hunter, ex-Grateful Dead). Together Through Life reflete um novo estado de espírito do bardo fanho de Minnesota. Em vez de secura, ternura. Em vez de ironia, nostalgia. Há uma certa crueza agridoce no ar. Dylan demonstra afeto pela própria história e erros - ele fará 68 anos no dia 24. No lugar do desalmado espetáculo da política, da grande reflexão sobre mortalidade e existencialismo, ele instaura agora um pequeno show mambembe, improvisado, menos denso. O álbum, o 46º de sua carreira, é mais limpo e evita ser "produzido para se tornar um clássico", como a trilogia anterior (Time Out of Mind, Love & Theft e Modern Times). O bandolim e o banjo, tocados por Mike Campbell e Donny Herron, além de um trompete, dão o tom de "o Pato Donald está feliz" do disco. "Eu só queria dizer que inferno que é a cidade natal da minha mulher", diz Dylan, em My Wife?s Hometown, música do grande bluesman Willie Dixon, que tem um andamento às vezes de zydeco, às vezes de funeral parade de New Orleans. O cantor fuça nas raízes sulistas a todo momento. Em It?s All Good, o tempero cajun e o boogie-woogie enchem de pimenta uma letra jocosa ("Grandes políticos dizendo mentiras/A cozinha do restaurante cheia de moscas/ Não faz nenhuma diferença"). If You Ever Go to Houston, de sabor tex-mex, vai alinhavando o passeio do cantor por uma América burlesca. "Ponha minhas lágrimas em uma garrafa." Jolene é um blues à moda de Muddy Waters, e Shake Shake Mama é um guitar blues de solos circulares. "Algumas pessoas me dizem/ Que eu tenho o sangue da terra em minha voz", rosna o cantor, em I Feel a Change Comin? On, balada acalentada pela sanfona doce de David Hidalgo, do grupo Los Lobos (talvez o ponto alto do disco). A música que abre o disco, o primeiro single, é Beyond Here Lies Nothin. É uma síntese dessa fase desopilada de Dylan, com a guitarrinha bluesy e o teclado preguiçoso (elementos que também impulsionam, com o banjo, outra canção admirável, Forgetful Heart). A produção é do próprio Dylan, escondido sob o velho pseudônimo Jack Frost, que o cantor "inventou" durante a gravação de Love & Theft. Ele é uma casa de espelhos - é muitos, e é por isso que é único.

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