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Boa hora para resgatar irmã Dorothy

Documentário de Daniel Junge entra em cartaz na sequência de decisão da Justiça, que vai julgar de novo o mandante do crime

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Na semana passada, o leitor do Estado pôde ler na capa do jornal que a Justiça do Pará havia anulado o segundo julgamento do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante da morte da missionária Dorothy Stang, em fevereiro de 2005, e também decretou sua prisão. O Tribunal de Justiça determinou ainda que seja realizado um novo julgamento do pistoleiro Rayfran das Neves Sales, o Fogoió, acusado de matar a freira com seis tiros. O novo júri dos dois acusados deve acontecer no segundo semestre deste ano. Veja o trailer de Mataram Irmã Dorothy O momento não poderia ser mais propício para o que ocorre hoje. Estreia o documentário Mataram Irmã Dorothy, de Daniel Junge, já exibido no ano passado, com sucesso de público e crítica, no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo. Mataram Irmã Dorothy levanta o véu da violência no Pará, onde o assassinato da missionária norte-americana, naturalizada brasileira, Dorothy Stang, soma-se a outros crimes cometidos no quadro de sangrentas disputas por terras. O que está em discussão não é só esse bárbaro assassinato - a freira de 73 anos foi baleada seis vezes, atingida pelas costas -, mas a luta de irmã Dorothy pelo Projeto de Desenvolvimento Sustentável, no município de Anapu. Agricultores sem terra e desmatamento da Floresta Amazônica acrescentam ingredientes letais a uma situação já explosiva. Numa entrevista por telefone de Denver, Colorado, David Stang, irmão de Dorothy, é todo emoção - "As pessoas decentes do Brasil devem estar felizes com essa decisão da Justiça, que rompe com um ciclo de impunidade e abre a possibilidade de que os criminosos possam, enfim, ser responsabilizados por seus atos." Mais comedido, o diretor Junge, também falando pelo telefone, desde Nova York, observa - "Não cabe a mim, um norte-americano, comentar decisões da Justiça brasileira, mas só posso ficar feliz com isso que está ocorrendo. Com o assassinato, o que se vai discutir é a questão da terra na região e o futuro da floresta, pelo qual Dorothy deu sua vida. Gosto de acreditar que o filme, com a visibilidade internacional que está tendo, possa ter contribuído para isso." Desde outubro, quando passou na Mostra, o documentário foi ao Festival de Brasília, ao Congresso brasileiro, ao Forum do Festival de Berlim e a diversas outras manifestações cinematográficas e políticas, porque o casamento que Mataram Irmã Dorothy promove é justamente o do cinema com o debate político. Um risco muito grande, numa operação desse tipo, seria que Daniel Junge tivesse feito um documentário parcial e mistificador da irmã Dorothy. Ele conseguiu o mais difícil. Dá voz a ambos os lados em conflito e ainda consegue deixar claro por qual dos lados torce nessa disputa. É o que ressalta o irmão de Dorothy - "Minha irmã está no filme com toda a reação que provocava. Me emociono só de pensar que o presidente Lula a comparou a Chico Mendes, outro grande lutador pela causa da ?rain forest?. Sou suspeito para falar, reconheço, mas admiro Daniel por ter feito o filme como fez." Tudo começou quando o diretor leu, no The New York Times, a história da morte da freira, em 12 de fevereiro de 2005. Ele imediatamente percebeu o potencial da história - "Tem os ingredientes não apenas para um grande documentário como para uma grande ficção; é drama puro." Pesquisando na internet, Daniel descobriu que o irmão de Dorothy morava na mesma cidade que ele, Denver. Isso facilitou o contato. Em quatro dias, David Stang estava viajando para o Brasil, para os trâmites do funeral da irmã, e Daniel viajava com ele. Ele desembarcou no Pará sem nada saber sobre aquele universo. Foi melhor assim. Seu primeiro desafio foi adquirir a confiança de ambos os lados. Sem ela, seu projeto de documentar de forma honesta os conflitos estaria comprometido. "Foi mais fácil conseguir a confiança dos fazendeiros. Os agricultores sem terra desconfiavam mais de minhas intenções", comenta ele. Daniel Junge admite que filmou muito e que boa parte desse material terminou no lixo. Mas ele se orgulha do material que conseguiu reunir - e montar. "Não preciso ser parcial. O escárnio dos advogados de defesa de Bida pela Justiça é mais eloquente do que tudo o que eu pudesse tentar dizer contra eles." O diretor tem participado de muitos debates após a exibição de seu filme, no Brasil e no exterior. Ele chegou a defender que representantes dos fazendeiros - o outro lado - participassem desse debate, mas volta e meia se chocou com a intransigência dos próprios companheiros de lutas, que afirmavam saber o que eles iam dizer. Depois de Mataram Irmã Dorothy, Daniel está colocando a mão em outro vespeiro. Seu novo documentário, que ele monta atualmente, trata de eutanásia. Serviço Mataram Irmã Dorothy (They Killed Sister Dorothy, EUA/2008, 94 min.). Documentário de Daniel Junge. 10 anos. Cotação: Bom

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