Blues antigos são revistos com balanço do Harlem

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Por Jotabê Medeiros
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A voz é bluesy, falsamente indolente, e o slide guitar "estica" as notas, tudo com um sabor do piano boogie-woogie de um dos integrantes da famosa família Batiste de New Orleans, o garoto Jonathan. Ao longo do show, as guitarras e o "bottle neck" de Marvin Sewell fazem a cama para a voz de Cassandra deitar e rolar. A noite é aberta com uma visão "malinesa" do clássico de Duke Ellington, Caravan. O duque vai à savana. Só os músicos estão em cena, e vão preenchendo os espaços aos poucos, como se pintassem um quadro ao vivo. Aí entra a diva, e todo seu magnetismo fica evidente na sequência de canções que vêm: A Sleeping Bee (letra de Truman Capote para composição de Harold Arlen), Lover Come Back to Me (releitura cassandrística para música de 1928 que foi gravada por Billie Holiday e Doris Day, entre outros) e a doçura familiar de Manhã de Carnaval, de Luiz Bonfá. O lado, digamos assim, pop de Cassandra comparece com Till There Was You, de Lennon e McCartney (da qual o mineiro Beto Guedes fez versão que tornou muito populares aqui os versos "Nem o sol, nem o mar, nem o brilho das estrelas..."). Ela continua a friccionar a tradição com o balanço do Harlem, onde vive. A próxima canção tradicional a ser reexaminada é Pony Blues, composta por Charley Patton em 1929. Momentos absolutamente hipnóticos: primeiro, quando ela canta St. James Infirmary, blues de autor anônimo do começo do século 20 que Louis Armstrong tornou célebre; segundo, no final, com o rito ioruba Arere, no bis. Cassandra, que canta com um tapete grande sob os pés, tira os sapatos e dança com seu vestido rosa, recolhendo-se ao fundo do palco. Os músicos vão saindo aos poucos, ficando somente o percussionista ao final. A voz da cantora, grave e modulada com extrema delicadeza, parece ainda encher o palco enquanto a plateia bate com os pés no chão pedindo para um novo bis, que não virá.

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