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Blogueiros defendem seu ''cárater cultural''

Blogs possibilitam acesso a raridades que de outra maneira não se encontram

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Há uma significativa diferença entre postar CDs recém-lançados - que muitas vezes aparecem nos blogs antes de chegar às lojas - e antigos e obscuros LPs, que as gravadoras não cogitam relançar por não ter "valor comercial". Mas nem todos os blogueiros de música lidam bem com esse aspecto ético. Diletantes, uns se dão o trabalho de revirar os próprios baús e formam redes de colaboradores. Outros criam compilações próprias e fazem arte de capa para CD, como o Sacundinbenblog, que acaba de postar uma coletânea com canções mais funkeadas de Roberto Carlos. Há também os que se viram com o que cai fácil na rede, sem critério e sem estilo, para criar os sites. Os bons têm uma listagem de links de parceiros, o que vira uma aventura sem fim vasculhar o material de um e de outro. Os textos editoriais ressaltam o fato de nenhum ter fins lucrativos, mas caráter cultural. Eis a questão. O DJ carioca Daniel Tamenpi, criador do Só Pedrada, foi notificado pelo DMCA por ter postado um CD da filha de Nina Simone. Mas ele também abre espaço para gente nova "que não tem divulgação, principalmente o hip-hop underground, que por natureza não tem muita visibilidade comercial", diz. Tamenpi também diz que conquistou bastante público por causa do blog. "Sempre segmentei meu trabalho em sons diferentes, coisa que é muito complicada. Ainda mais em uma cidade como o Rio de Janeiro, onde nada que é alternativo dá certo. O que vinga é o que está na moda." Antes do blog ninguém conhecia quase nada que ele tocava na pista, depois passou a ser um pouco mais fácil: "Conheci bastante gente com os mesmos gostos musicais que eu, coisa que achava não existir." Com o Loronix, Zeca Louro também conquistou admiradores no mundo inteiro, mas de outra forma. Além do diferencial de disponibilizar material raríssimo - principalmente de bossa nova e outros gêneros de música brasileira dos anos 40 aos 70 -, acompanhado de textos informativos sobre os discos, os artistas, e creditar a autoria das faixas, Zeca tem o cuidado de escanear as capas com boa resolução, digitalizar os discos de vinil e limpar o máximo de chiados e cliques que alguns programas milagrosos permitem. De outra maneira seria difícil ter acesso a álbuns que nem se encontram nos sebos de São Paulo, como os de Luiz Bonfá, Trio Surdina, Waltel Blanco, Lyrio Panicalli e Jacob do Bandolim, entre outros apontados por ele como os mais preciosos do site. "Antigamente sem o Loronix e outros blogs, a chance que você tinha de ouvir um disco dos Ipanemas ou do Henry Mancini, por exemplo, era só comprando num site de leilões e nem sempre existe essa disponibilidade", diz Zeca. Além disso, o Loronix é quase todo escrito em inglês, o que possibilita que essa discografia brasileira tenha um alcance muito maior fora do País."Se fosse em português o site não teria chegado aonde chegou. É triste, mas eu também não teria motivação de escrever só para o público do Brasil", diz Zeca, que já foi roqueiro punk nos anos 80. "O share de acesso por país é 49% do Brasil e 51% do resto do mundo", conta. O Loronix tem mais de 2 mil títulos e recebe colaborações de Jorge Mello e Caetano Rodrigues, conhecido como o maior colecionador de discos de bossa nova. Caetano e Zeca também contribuíram para a realização do recém-lançado livro 300 Discos Importantes da Música Brasileira, organizado por Charles Gavin. Se o propósito do livro é recuperar e preservar a memória da música brasileira, falta ao leitor ter acesso ao som dos muitos títulos raros que ilustram suas páginas. Blogs como o Loronix suprem essa carência. "O Loronix é fantástico e cumpre exatamente esse papel importante, de informar e suprir toda uma ala de discos esquecidos, abandonados, que ninguém na indústria fonográfica sabe que existem", diz Gavin. A política de Zeca é a de considerar o meio de vida dos artistas, respeitando os direitos de quem está na ativa ou tem discos à venda. Provavelmente por isso ele não tenha recebido notificação do DMCA. "Não tenho nada contra colocar disco novo nos sites etc., mas não me sinto confortável de fazer isso, porque qual o sentido de colocar no Loronix um CD que você pode ir na loja e comprar?", questiona. "Não existe nada que justifique colocar o catálogo da Biscoito Fino, por exemplo, num site." Rodrigo Faour concorda com Zeca. "Quando são discos raros de gravadoras obscuras, ou coisas fora de catálogo há anos, é bom que a gente possa compartilhar isso. É a cultura que está em jogo. Se alguém é detentor dos fonogramas e não faz nada com eles, alguém tem de fazer", diz. "Agora, se eles saem em CD numa edição bacana, com encarte, com letras, aí realmente acho que tem de ter um mecanismo legal para coibir isso, porque é uma sacanagem, porque há um investimento e todo mundo perde: a indústria, o artista, o produtor." A complexa questão de direitos é mais relevante para o cantor e compositor Gilberto Gil do que se preocupar em patrulhar o compartilhamento de seus discos. "Como estou com o espírito muito aberto, e de certa forma tendendo a me associar à corrente da abertura, da flexibilização, à esquerda e não à direita, não estou muito preocupado com os meus instrumentos específicos de fiscalização. Acho que é uma fase experimental, que você tem de ver até onde vai", diz o cantor. Gil defende a garantia da cópia privada. "Por que a pessoa não pode fazer uma cópia para uso pessoal, como é o caso desse site aí (referindo-se ao Loronix), ou para distribuir para os seus amigos de graça? Pois se temos a tecnologia, as técnicas digitais que permitem fazer isso. Então é complicado demais ficar insistindo no ?law and order? no sentido clássico, de basicamente defender os interesses e os direitos adquiridos daqueles que até hoje exploraram, que até hoje detiveram a hegemonia no mercado - que são as grandes gravadoras, as grandes editoras, etc. -, em detrimento dessa emergência fundamental do indivíduo", diz. "Estamos em fase de luta aberta entre a nova cultura e a nova tecnologia e os velhos padrões." Tamenpi diz que não coloca discos de grupos brasileiros independentes sem o consentimento deles. "Aí já acho caído. O cara trampou pra fazer um disco e tá no corre pra vender. Várias pessoas já vieram pedir pra colocar os discos no blog, outras eu peço pra colocar e elas pedem pra esperar a prensagem ser totalmente vendida pra disponibilizar de graça. Acho o preço do CD no Brasil um absurdo. Sei que é por causa das majors que esse problema com os blogs está acontecendo." Em geral os blogs alertam nas páginas de abertura que se alguém se sentir prejudicado pelo armazenamento de qualquer material pode reclamar que este será retirado. "O que os blogs fazem não incomoda os artistas, e caso alguns se sintam incomodados, é porque existe algum desconforto do mesmo em relação à atitude da gravadora que vai ver o disco publicado para download", diz Bruno Rodrigues, do extinto Som Barato. "A impressão que dá é que todo artista quer ver o seu som ?rodando por aí?, mas não fala isso publicamente, quando tem uma gravadora que o encheu de contratos e compromissos legais." Metaforicamente, essa tendência também resolve em parte um dos grandes entraves da indústria fonográfica no Brasil: a distribuição, que sempre prejudicou os artistas menos comerciais. Uma vez que esses blogs não tiram proveito financeiro de seu conteúdo, a questão remonta, em proporção infinitamente ampliada, aos tempos em que se copiava música dos LPs para fitas cassetes, como exemplifica o blogueiro Fulano Sicrano, do Um Que Tenha. "Se a vontade de compartilhar persiste por décadas, é bobagem de quem tem ?o direito sobre a obra? querer tapar o sol com a peneira. Novos blogs vão surgir e é evidente que novas tecnologias trarão novas formas de compartilhamento." Alternativas já se apresentam neste momento em que o DMCA desce o sarrafo da lei. O Só Pedrada já tem um e-mail para os usuários se cadastrarem, caso queiram saber que rumos o site vai tomar se for fechado. Bruno também tomou providência idêntica antes de ter seu Som Barato lacrado. "O blog era inegavelmente o maior diretório de música já feita em Pernambuco", afirma Bruno. E era mesmo. Tinha um vasto acervo de música pernambucana - alternativa e antiga, raros discos de frevo, mangue beat e tudo o mais - acima de 2 mil títulos. Teve mais de 6 milhões de acessos em 2 anos. "Todo mundo usa a internet pra baixar discos, inclusive os artistas, eu, você, e o engravatado da Biscoito Fino", diz Bruno. "Felizmente, o independente desconhecido e o mainstream estão se misturando, e agora ninguém sabe mais quem é quem, todo mundo é ouvido." Mas nem todo seu trabalho está perdido. Alguns usuários do site formaram uma corrente para criar um blog alternativo, que está em fase de teste e vai entrar no ar em breve no domínio www.sombarato.org. É a tal da "teoria Mosca na Sopa", como se diz por aí, reportando à canção de Raul Seixas que diz: "Por que ?cê mata uma, aí vem outra em meu lugar." Lembra do efeito Napster? Onde garimpar LORONIX: Mais de 2 mil títulos de raridades da bossa nova, samba, choro e outros gêneros de música brasileira em vinil, com textos em inglês sobre os discos, incluindo autores das faixas e ficha técnica (http://loronix.blogspot.com) UM QUE TENHA: MPB em geral (discos raros e lançamentos), compilações exclusivas e alguns títulos de artistas estrangeiros relacionados à música brasileira (http://umquetenha.blogspot.com) SÓ PEDRADA: Discos raros e lançamentos de hip-hop, soul, funk, bossa nova, samba e jazz, entre outros gêneros de música negra (http://sopedrada.blogspot.com) SACUNDINBENBLOG: Basicamente álbuns clássicos e compilações exclusivas de pop suingado brasileiro e internacional, com alguns contrastes de rock deprê (http://sacundinbenblog.blogspot.com) ABRACADABRA: Títulos obscuros e raros, independentes e instrumentais (http://abracadabra-br.blogspot.com) LOS QUE NO SE CONSIGUEN: LPs e compactos raríssimos de música engajada e folclórica da América Latina, incluindo títulos brasileiros e europeus (http://losquenoseconsiguen.blogspot.com)

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