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Bettye LaVette renasce e assombra

Cantora que teve um disco 'sepultado' em 1972 tem importância na música negra reavaliada e vem ao Brasil para festival

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Em 1972, a cantora Bettye LaVette foi enterrada viva. Era então uma das mais promissoras jovens vozes do R&B norte-americano, e tinha sido contratada pela poderosa Atlantic Records, que a levou até o mítico estúdio Muscle Shoals, no Alabama, para gravar um disco. Fora no Muscle Shoals que os Stones gravaram Brown Sugar e Wild Horses; outros que gravavam lá eram Wilson Pickett, Aretha Franklin e Etta James. Ouça músicas de Bettye Mas aconteceu algo inusitado: a gravadora jamais lançou o disco. Engavetou-o sem explicações. Frustrada, a jovem cantora de Detroit saiu para o mundo para ganhar a vida. Fez coro em musicais da Broadway, dançava e sapateava, participava de sessões de estúdio e animava corinho para todo tipo de músico. Esteve em tudo quanto é front. Cantou Bubbling Brown Sugar com Cab Calloway. Só agora, 37 anos depois, é que o público brasileiro vai ver o tamanho do equívoco que foi engavetarem essa mulher durante tanto tempo. Ela chega para cantar aqui pela primeira vez, durante o Bridgestone Music Festival, em maio, no Citibank Hall. Foi só no ano 2000, já então com 54 anos, que a sorte de Bettye virou. Um selo francês descobriu e finalmente lançou o "disco perdido" da Atlantic, e ela tornou-se um culto instantâneo ao redor do mundo. Em 2003, Bettye ganhou o WC Handy Award. Em 2005, o disco I?ve Got My Own Hell to Raise virou coqueluche. Em 2007, foi indicada para o Grammy por The Scene of the Crime, no qual canta Elton John e Willie Nelson, entre outros. No ano passado, ela fez chorar em público o guitarrista do The Who, Pete Townshend, ao interpretar Love Reign O?er Me, composição dele, durante um tributo ao The Who, no Kennedy Center. "Uma das cantoras estava cantando uma canção do The Who. Era uma mulher chamada Bettye LaVette. Ela roubou o show. Era tão fenomenal, levava a gente às lágrimas. A sala estava em silêncio sepulcral enquanto ela cantava, foi inacreditável", disse Dave Grohl, do Foo Fighters, testemunha acidental da façanha. Finalmente, veio a consagração final: no dia 18 de janeiro, no Lincoln Memorial, ela deixou meio mundo estupefato ao cantar na posse de seu amigo, Barack Obama, a canção A Change Is Gonna Come, de Sam Cooke, dividindo microfones com Jon Bon Jovi. Na semana que vem, dia 7, Bettye é convidada de honra da 30ª edição do Blues Music Awards, no Cook Convention Center de Memphis. Uma semana depois disso, será a vez de o Brasil apreciar essa pérola resgatada do fundo do oceano da música norte-americana, no auge aos 64 anos. "Sou apenas uma estilista da canção. Não escrevo canções, eu as interpreto." A voz roufenha de Bettye chega cristalina ao telefone, numa breve entrevista na tarde de segunda-feira ao Estado. "Sempre fui uma back singer, então eu cantava de tudo, não tinha escolha. Se você é uma grande estrela, você pode escolher. Se você não é, você canta o que te pedem para cantar. Cantei em musicais, cantei rock, cantei pop. Mas os últimos meses têm sido bons para mim, então eu tenho podido escolher", diz a cantora, risadona que se espalha pelo ouvido. Está agora justamente no processo de escolha das canções que vão entrar no seu próximo disco. Diz que pretende começar a gravar já no mês que vem. "Não tenho mágoa pelo fato de a Atlantic não ter lançado meu disco. A indústria musical avalia a música como negócio e eu não me considero uma artista de gravações. Sou do palco. Tenho sorte de ter um público que me acompanha, que aprecia minhas canções", afirma. "Nasci nos Estados Unidos sob um regime de segregação. E amo a política. É claro que torci muito pela vitória de Obama e gosto dos momentos que ele tem proporcionado à frente de sua administração. Bush fez com que nós, americanos, perdêssemos o respeito de outros povos ao redor do mundo. Torço para que Obama recupere esse respeito", ela diz. Ela ri à larga, mas fala sério quando o assunto é música. A maior influência, reafirma, foi Louis Armstrong. Ao cantar, são os teclados que ela segue, mais do que o baixo ou qualquer outro instrumento. "Tive o mesmo tecladista durante 30 anos, Rudy Robinson, que morreu recentemente. Era meu diretor musical. Agora trabalho com Alan Hill, que também é meu diretor musical. Ouço tudo, mas o teclado é mais familiar, me guia durante as canções." Ela acha uma piada essa tese de que haja um novo e bem fornido lote de cantoras de R&B no cenário musical americano: Beyoncé, Mary J. Blige, Missy Elliott. "Acontece que as pessoas pensam que, se o artista é negro e não canta nem rap nem soul, então só pode ser R&B o que ele canta", ela diz. Bettye não faz gênero: confessa sem problemas que não sabe nada de música brasileira. Mas, para efeito de comparação, imaginem uma mistura de Elza Soares com Nana Caymmi com Clementina com Tereza Cristina. Ok, é forçação. Melhor é esperar e ouvir pessoalmente a mulher. As atrações RENÉ MARIE: Cool até os ossos, a cantora René é suave ativista que evoca Billie Holiday TOK TOK: O duo da cantora Tokunbo Akinro e o alemão Morten Klein revigora o soul ROBERT GLASPER: Jovem pianista que parece um astro do hip hop, mas é puro suingue KIND OF BLUE: Mítico disco é refeito no palco, 50 anos depois, pelo único sobrevivente da formação original, Jimmy Cobb, com convidados BRIDGESTONE MUSIC FESTIVAL (http://www.bridgestonemusic.com.br/) vai de 14 a 16 de maio, no Citibank Hall

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