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Bené Fonteles resgata a ancestralidade em sua 'OcaTaperaTerreiro'

Construção de taipa com teto de palha está dentro da 32ª Bienal de São Paulo

Por Camila Molina
Atualização:

Na maior parte do tempo, a OcaTaperaTerreiro que Bené Fonteles criou para a 32.ª Bienal de São Paulo é visitada pelo público como um espaço mítico dentro do Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Do lado de fora, a construção de taipa com teto de palha, abrigada próxima das esculturas realizadas por Frans Krajcberg com restos de árvores e cipós incinerados, homenageia índios e caboclos, mas, ao mesmo tempo, mais parece integrar o que seria a cenografia de uma floresta. Seria pouco. Na verdade, é preciso saber que a OcaTaperaTerreiro foi erguida para se transformar em ágora – tal qual na antiguidade, ser um lugar dedicado a reunir pessoas e, mais ainda, palco de um ciclo curioso, Conversas para Adiar o Fim do Mundo.

O fim do mundo é, então, uma certeza? “Quero continuar na incerteza senão não faço o que eu faço”, diz Bené Fonteles, que se apropriou, como conta, das “ideias para adiar o fim do mundo”, do amigo e líder indígena Ailton Krenak, para conceber seu projeto para a 32.ª Bienal, intitulada Incerteza Viva. Até 11 de dezembro, quando termina a mostra, a OcaTaperaTerreiro receberá uma série de convidados especiais.

Público acompanha a conversa de Bené Fonteles e Décio Gioielli Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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“Os curadores da Bienal aceitaram esse desafio de fazer uma coisa que não era só arte”, afirma Bené, de 63 anos, artista, compositor, escritor, que lançou, na década de 1980, o termo “artivismo” – novo, até então – com a organização, em Cuiabá, do Movimento Artistas pela Natureza. “Antes dessa crise econômica e política, muito séria, que está nos afetando profundamente no Brasil, achei que eu deveria vibrar, fazer uma história pela alma da nação brasileira.” Sendo assim, é possível dizer que a OcaTaperaTerreiro foi concebida, portanto, para também servir “em termos espirituais” – “eu não separo arte, ciência e a espiritualidade”, define o paraense, que vive há 25 anos em Brasília. No último dia 14 de setembro, quando a reportagem do Estado foi conhecer a proposta de Bené Fonteles para a 32.ª Bienal, o fim do mundo seria adiado, como dizia o programa, com um concerto de kalimba, instrumento musical de origem africana que, segundo o artista, teria sido criado para imitar a água.

Naquela terça-feira, por volta das 17 horas, antes de apresentar o convidado do encontro, o músico Décio Gioielli, Bené acendeu velas e incensos em um altar que “tem de tudo” e que circunda boa parte da oca como uma nova versão de uma obra antiga sua, Sem Fronteiras. “Sou todas essas histórias, eu passei por tudo isso: umbanda, candomblé, budismo, zen-budismo, tive formação cristã na minha família... Mas não sou de nenhuma religião.” Esculturas populares, santos, plantas, retratos emoldurados, livros e peças distintas reverenciam mestres das mais variadas áreas das artes e do conhecimento – e inclusive “Omame”, o deus supremo para os ianomâmis, descrito em poema do líder Davi Kopenawa agora plotado sobre uma das colunas do pavilhão projetado pelo arquiteto Niemeyer. “Aqui, toda a ancestralidade come o modernismo”, sintetiza Bené.

Naquele dia, cerca de 30 pessoas se acomodaram nos bancos de madeira a rodear o grande e enigmático círculo formado por faixas de farinha de mandioca do Pará (amarelo), de palha (bege) e de terra (vermelho) para ver a apresentação de Gioielli. Ouviram o suave som da kalimba, ouviram histórias. “A Bienal tem quatro pilares – cosmovisão, narrativas, educação e ecologia”, diz o artista. “Ativada” pelas conversas ou apenas aberta à visitação, a OcaTaperaTerreiro vai tocando os temas da mostra – e se o visitante se sentir, em algum momento, em outro tempo, “nem velho nem novo, que é o tempo do transcendente”, já terá valido o esforço, conclui Bené.DESTAQUES NA OCA Chico César e Carlos Rennó. A canção como ato de resistência. Dia 18/10, 17 horas Tetê Espíndola e Marta Catunda. Canções de pássaros do Cerrado e da Amazônia. Dia 19/10, 17 horas Tadeu Jungle e Christian Cravo. A tragédia de Mariana. Dia 22/10, 17 horas Davi Kopenawa, Ailton Krenak e Claudia Andujar. Poéticas e resistências indígenas. Dia 15/11, 17 horas Egberto Gismonti e Ailton Krenak. Música e memórias indígenas. Dia 16/11, 16 horas Antonio Nóbrega. Arte Brincante. Dia 18/11, 17 horas Siron Franco. ‘Artivismo’ no Movimento Artistas pela Natureza. Dia 19/11, 17 horas  Em dezembro. A programação ocorrerá de 6/12 a 11/1232ª BIENAL DE SÃO PAULO Pavilhão Ciccillo Matarazzo. Pq. do Ibirapuera, portão 3; 5576-7600. 3ª, 4ª, 6ª e dom., 9h/19h; 5ª e sáb., 9h/22h. Grátis. Até 11/12

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