Barqueiro reflete o mal da sociedade

Peça de Samir Yazbek traz solo de Helio Cicero, que celebra 30 anos de atuação

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Por Livia Deodato
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A evolução da consciência humana é transmutada para o palco em forma de ?estações?, onde acontece a travessia muitas vezes árdua enfrentada por indivíduos reais. O percurso de mortal a herói, permeado pela solidão, compreende todos os seus anseios e ideais, sentimentos que será obrigado a confrontar em uma ilha sem nome, perdida no tempo e no espaço. A identificação com a figura do anjo caído torna-se, então, instantânea e adiciona potência ao personagem pelos desafios impostos sem alternativas. Todas essas questões caras, apresentadas no plano poético e metafórico, que acaloram discussões na sociedade contemporânea, são expostas em A Noite do Barqueiro, novo texto do dramaturgo Samir Yazbek, também responsável pela direção do monólogo atuado por Helio Cicero, que estreia hoje, no Sesc Ipiranga. "O texto fala de questões que têm nos incomodado como homens, que vivem nesse mundo da velocidade, do consumismo desenfreado. Estamos diante do desafio de como se situar, como se inserir nesse mundo. Esse, sem dúvida, é o pano de fundo de A Noite do Barqueiro", afirma Yazbek. O espetáculo comemora os dez anos de parceria entre o autor e Helio Cicero que, por sua vez, celebra seus 30 anos de carreira. Paralelamente à apresentação da peça, uma exposição com cerca de 30 fotos da trajetória do ator de 53 anos, intitulada Helio Cicero - Trigésimo Ato, também estará exposta no Sesc Ipiranga. "Creio que conseguimos alcançar a síntese com esse espetáculo. Vivemos em uma época em que não importa o que aconteça num lugar, isso afetará completamente outro, seja por questões econômicas, que nos afeta de forma tão arrasadora, ecológicas, que está mostrando uma natureza em convulsão etc.", opina Cicero, exemplificando com um caso familiar da cunhada cujo primo encontra-se em meio a guerra na Faixa de Gaza. "A Noite do Barqueiro é um mito contemporâneo." O trabalho é calcado na expressão não-naturalista, permeado por simbolismos e poesia, que na opinião de Cicero afasta a possibilidade de um resultado hermético. Um número maior de imagens e sensações está presente a fim de permitir o estímulo à sensibilidade do espectador em um teatro que brinca com o inconsciente. O cenário e o figurino acompanham esse movimento. Pensados por Chris Aizner, o ambiente teatral e a vestimenta do barqueiro são compostos por fragmentos da memória do personagem. "As ?estações? que terão de ser enfrentadas pelo barqueiro dizem respeito às etapas da evolução da consciência humana: no começo, ele reconhece aquela terra, depois a explora. E também existe a metáfora da ilha com o mundo. Como já afirmou Tolstoi, ?se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia?", diz Yazbek. Poucos objetos e elementos entram em cena, como uma faca, um chapéu, uma poça de sangue e uma fonte de água, e a metalinguagem que trata sobre a relação autor-ator e os percalços de ser artista no País podem, eventualmente, surgir no enredo. "Tudo é alusão. A poesia cênica contida no texto diz muito mais para quem quiser ou conseguir ler", garante o autor. Serão ministrados ainda dois workshops, ainda sem data definida, de interpretação com Cicero e de dramaturgia com Yazbek. Interessados devem contatar o Sesc Ipiranga (telefone abaixo). Serviço A Noite do Barqueiro. 60 min. 14 anos. Teatro do Sesc Ipiranga (200 lug.). Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga, 3340-2000. Sáb., 20 h; dom., 18 h. R$ 5 a R$ 15. Até 15/2 ATOR E AUTOR SÃO PARCEIROS HÁ MAIS DE UMA DÉCADA TRAJETÓRIA: Provocações fazem parte da rotina vivenciada por Helio Cicero e Samir Yazbek há dez anos, quando deram início a uma parceria profissional. Durante a própria entrevista concedida ao ?Estado?, isso pôde ser constatado. Samir adiantava a história do próximo espetáculo, com estreia prevista para agosto, que conta a história da construção da Transamazônica por meio da trajetória de sua família de imigrantes. "Demorei vinte anos para escrever esse texto, que já existia dentro de mim", disse Samir, ao que Helio revidou: "Tá aí! Dentro de Mim. Ótimo título para o novo espetáculo", que provisoriamente foi batizado de Raízes. Meio minuto de silêncio e Samir confessa que a provocação será digerida por, no mínimo, cinco dias. A parceria, no entanto, só foi consolidada no final de 2007, quando fundaram a companhia Arnesto nos Convidou, nome-homenagem ao sambista paulista Adoniran Barbosa. O Fingidor foi resultado do primeiro trabalho em conjunto, em 1999, e rendeu o Prêmio Shell de melhor autor a Yazbek. A peça, cuja inspiração é Fernando Pessoa, vai reestrear no dia 4 de abril no Tuca (tel. 3670-8453), em comemoração aos 10 anos de parceria. No repertório da Arnesto nos Convidou, formada também por Eduardo Semerjian (intérprete de André Matarazzo na minissérie Maysa), Geondes Antonio, Maucir Campanholi e Silvia Marcondes Machado, também constam O Invisível (2006) e Diálogo das Sombras (2007), entre outras.

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