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Barack Obama é negro?

Por Matthew Shirts
Atualização:

Recebi na semana passada quatro e-mails com variações desta mesma pergunta: ''''Obama é negro?'''' Primeiro, foram dois amigos meus, brasileiros. Depois, um repórter de revista semanal escreveu para saber ''''como funciona isso nos Estados Unidos? A mãe dele é branca, afinal''''. E, ainda, meu pai, que enviou da Califórnia uma versão americana da mesma indagação: ''''No Brasil, Obama seria considerado negro?'''' É uma boa pergunta, a do meu pai, sobretudo. Para ele mandei uma longa explicação. Lembrei-lhe que raça é uma questão complexa e nuançada, aqui. Citei de memória uma pesquisa da década de 1970 em que o IBGE solicitou aos entrevistados uma autodefinição de cor. Recebeu mais de uma centena de respostas distintas, de ''''azul'''', ''''cor de burro quando foge'''', ''''marrom'''', ''''pardo'''' e, minha favorita, ''''cor-de-rosa''''. A identificação de raça, no Brasil, tende para o ambíguo, como ilustra o caso do jogador Grafite, que denunciou como racista um colega argentino por tê-lo chamado de negro. Não há uma resposta simples para a pergunta do meu pai. Mas para dar satisfação ao velho e evitar que ele me achasse uma banana, concluí que não, achava eu que aqui Obama não seria considerado negro. Não seria uma questão importante, de qualquer forma. Aos brasileiros respondi que sim; nos Estados Unidos, Obama é negro. Não há o que discutir. O interessante no caso é que, em um país de passado escravocrata, leis segregacionistas e violência racial, o primeiro negro com chances reais de levar a Presidência procura diminuir ''''o valor catártico'''' da sua candidatura. Como escreve Andrew Sullivan em um ensaio fascinante na edição de dezembro da revista Atlantic Monthly: ''''Obama sabe que raça é importante, mas também sabe que será destrutiva se se tornar a única questão.'''' O ensaio de Sullivan avança na tese de que uma eventual vitória do Barack Obama traria benefícios inestimáveis e únicos aos Estados Unidos. Isto pouco tem a ver com suas posições políticas, próximas, no frigir dos ovos, aos dos seus rivais no partido Democrata, e menos ainda com sua inegável inteligência e capacidade política. O que só Obama tem é o potencial de levar a maior potência do mundo para além da divisão que assola a geração dos baby boomers há 40 anos. Desde 1968, há uma briga nos Estados Unidos entre os que foram para o Vietnã e os que ficaram nos Estados Unidos e protestaram, entre feministas e donas de casa mais tradicionais, entre hippies ateus e religiosos evangélicos, entre negros radicais e conservadores. É uma guerra civil sem violência que pauta toda a política americana, a interna e a externa, a reação ao terrorismo e à Guerra no Iraque. A rixa eleva a temperatura do debate para além das reais diferenças de posicionamento. Segundo Sullivan, Bill Clinton era um centrista que tentou fazer a ponte entre os dois lados. Mas ficou preso às suas origens contraculturais. Bastou uma pulada de cerca para reacender as batalhas agônicas da sua geração em torno de sexo, amor e casamento. Tais divisões não seriam fatais em tempos normais, argumenta Sullivan. Poderiam até ser saudáveis. Mas, num momento em que o terror islâmico e o colapso do prestígio dos Estados Unidos ameaçam o Ocidente, é preciso deixá-las para trás. Ninguém oferece tanto, nesse sentido, quanto Obama. Primeiro, porque ele é posterior à geração dos boomers e, por isso, mais livre para assumir posições à direita e à esquerda. Não precisa provar que é durão, como acontece com a Hillary, por exemplo. E, segundo, por causa da sua cara. No seu ensaio, que recomendo vivamente, Sullivan pede para imaginar um jovem muçulmano paquistanês, que só conheceu a presidência de George W. Bush, diante da televisão em novembro próximo. Ele vê que a nova cara da América é Barack Hussein Obama, um homem de pele escura, de pai africano, criado na Indonésia e no Havaí em escolas de maioria muçulmana. Muda tudo. Sua idéia do que sejam os Estados Unidos jamais será a mesma. A nossa também não. De perto, conclui Sullivan, a campanha do Obama soa improvável. De longe, sua vitória parece ser uma necessidade histórica. ''''Talvez seja ele a ponte para o século 21 do qual falava Bill Clinton'''', escreve o ensaísta. Desconfio, também, que Obama na Presidência traria a discussão racial americana para mais perto da brasileira. Se ele é ''''negro'''' propriamente dito, ou não, deixaria de ter importância. Seria, a meu ver, um avanço.

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