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Autor perdido na fronteira entre o real e a ficção

Filmes do diretor com o escritor Michel Butor e a performer Marina Abramovic misturam vida e arte

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Ao contrário do mito de Ariadne, no filme Dédale, de Pierre Coulibeuf, não há nenhum deus piedoso para salvar a bela princesa da ilha onde foi abandonada. A Ariadne moderna do cineasta francês não tem fio capaz de guiar os mortais pelo labirinto da identidade. Assim, o prédio da Fundação Iberê Camargo projetado pelo português Álvaro Siza seria um "condutor de energias" a colocar em movimento "forças emitidas" pelas telas do pintor gaúcho quando os espectadores as contemplam, segundo o diretor. A esse respeito, Coulibeuf evoca o sentido original do nome Dédalo em grego antigo (Daidalos, ou "artisticamente trabalhado"), dando a entender que a engenhosidade da figura mitológica rivalizava com sua capacidade perversa de gerar um projeto como o labirinto. Misturar o real e o ficcional é o negócio de Coulibeuf. Em Balkan Baroque (1999), ele usa as reminiscências da performer Marina Abramovic para provar como a verdadeira vida da artista e seu imaginário se interpenetram a ponto de suas memórias virarem lembranças romanescas. Tudo o que Coulibeuf quer evitar é a ilustração. Uma vida não pode se resumir a uma evasão cinematográfica e, portanto, é preciso reforçar o plano da representação para que ela pareça ainda mais artificial, "artística" - todos os planos são frontais, incluindo a performance de Marina com seu companheiro Ulay, este no papel do Cristo da Pietà de Michelangelo (que ilustra esta página). Coulibeuf adora se perder na fronteira do imaginário, o que o levou a fazer um filme sobre Michel Butor (Michel Butor Mobile, 2000), reconstituição do universo literário ou mental do autor, um dos grandes nomes do "nouveau roman" francês ao lado de Alain Robbe-Grillet. Nele, Butor representa um escritor - intérprete e ator do próprio papel -, antecipando essa ideia de "filme-labirinto" explorada em Dédale. Coulibeuf é ambicioso. Não faz filme para a massa. Em Les Guerriers de la Beauté (2002), baseado num trabalho do dramaturgo, coreógrafo e artista visual belga Jan Fabre, ele usa textos de Ovídio, Shakespeare, Kafka e Lewis Carroll para criar o simulacro de uma coreografia sua, explorando a paródia e a ritualização teatral numa obra sobre uma Ariadne vestida de noiva e perseguida por pássaros num labirinto de portas e arcos medievais. Depois dele Coulibeuf realizou Klossowski, Pintor-Exorcista, em que mostra como demônios podem habitar uma pintura.

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