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Austrália leva Luhrmann à polêmica

Diretor australiano investe no épico para retratar a formação cultural do país entre os nativos aborígines e os ingleses

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Gostei Há uma atração muito forte pelo kitsch no cinema de Baz Luhrmann, que ele coloca a serviço de uma temática aparentemente banal - a importância de amar. Em todos os seus filmes, a ?mensagem?, como se diz, é simples, resumida numa frase - "Um homem com medo vive pela metade", em Vem Dançar Comigo; "O amor é a coisa mais importante do mundo", em Moulin Rouge. Baz Luhrmann muda em Austrália para permanecer fiel a si mesmo. Como diz o maori ao cunhado, Hugh Jackman, um homem precisa parar de fugir de si mesmo e assumir que precisa de amor, mesmo correndo o risco de perdê-lo. O guerreiro morre alegremente em defesa da nova geração, mas numa cena anterior sua coragem foi reconhecida e ele consegue entrar no espaço que lhe era interdito. Após a trilogia da cortina vermelha (Vem Dançar Comigo, Romeu + Julieta e Moulin Rouge), o diretor australiano volta-se para o épico. A trilogia já estabelecia o parti-pris de Luhrmann - é um autor que adora filmar tempestades em copos de água (ou champanhe) e para quem o over é um atalho para o minimalismo. O kitsch que o persegue talvez tenha a ver com suas origens nacionais. A Austrália, afinal, foi colonizada pelo elemento humano mais indesejável na metrópole, a Inglaterra. Para lá eram enviados condenados, mendigos, prostitutas, gente - como se pode colocar sem ser ofensivo? - sem educação nem berço. A história de amor em Austrália é elementar. Nicole faz a aristocrata inglesa que chega a essa terra bárbara e ganha ajuda de Hugh Jackman para defender sua fazenda e a criação de gado do avanço de um grande proprietário. Essa é a parte simples. A complicação vem do tema escolhido por Luhrmann e que tem por base um dogma da cultura dos nativos maoris. Não se nomeiam os mortos nessa cultura. O nome de quem morreu não pode ser repetido. Como contar uma história dessa maneira? Se em Moulin Rouge utilizou o máximo de artifício para captar a essência de Rocco e Seus Irmãos - o idealismo de Ewan McGregor, que lembra o de Alain Delon, a morte de Satine (Nicole Kidman), calcada no assassinato de Nadia (Annie Girardot) na obra-prima de Luchino Visconti -, a origem está aqui em outro clássico, Assim Caminha a Humanidade, de George Stevens. A mesma fascinação pela estrangeira, Nicole substituindo Elizabeth Taylor, pela terra bárbara que parece uma extensão sem fim e, de fundo, o racismo que constitui a base da organização social. Contar a história pelo ângulo do garoto equivale, aqui, a fazer do personagem de Sal Mineo o protagonista do épico de Stevens. E existe, de novo, o artifício, aqui transformado na magia do velho feiticeiro. Toda a luta de Nicole é pela reafirmação da propriedade e da família, mas, no limite, ela aprende que não se pode possuir pessoas e tem de liberar o menino para que ele possa afirmar sua identidade segundo rituais arcaicos. Há um choque entre modernidade e tradição, entre o que se pode nomear e calar, entre o que é social, as crianças da geração roubada, e o íntimo, o amor da aristocrata de pés no chão pelo marginal, quase bandoleiro. O filme não é tão bom quanto Moulin Rouge - o botox de Nicole Kidman não ajuda; ela continua uma tábua, e curvas quem exibe é Hugh Jackman, com todos aqueles músculos -, mas Baz Luhrmann conseguiu, permanecendo fiel a si mesmo, uma maneira de resumir um país, uma cultura, uma forma (a dele) de fazer cinema de autor no blockbuster.

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