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As sombras geradas pela desesperança

Procurando Schubert, dança-teatro de Fabio Mazzoni, retrata 'o momento apocalíptico atual'

Por Livia Deodato
Atualização:

Um fraco sinal de luz no meio da escuridão desértica não necessariamente significa o descobrimento de uma alternativa esperançosa. O ponto luminoso, que tende a se intensificar, a criar formas indistinguíveis e levar mensagens silenciosas de desespero, nasceu e vai viver sob a fugacidade de um outro tempo, num espaço inexistente. O personagem transfigurado que viverá esse momento efêmero está sozinho, é errante e agora vai pagar por isso. Esta é a única realidade a que ele se agarra, mesmo porque é a única que tem - não há mais saída. Essa convulsão de sentimentos que reflete um mal-estar da sociedade dentro da qual o diretor e produtor Fabio Mazzoni acredita estar inserido é transposta para o palco no espetáculo Procurando Schubert, que estreia hoje no 3º andar do Sesc Consolação. O título, que causa estranheza de início, também faz jus ao tema apocalíptico. "Na minha opinião, Schubert é inalcançável, é o que há de mais puro e limpo", diz Mazzoni. Note o tamanho dessa sua certeza após prestar muita atenção na trilha sonora pensada pelo diretor. O Breviário de Decomposição, de E.M. Cioran, serviu como amparo nessa pesquisa cênica e corporal, que contou com o auxílio de outro diretor de anseios obscuros, Sandro Borelli. Diz um trecho: "Nem a matéria nem o espírito podem continuar alimentando nossos sonhos: este universo está tão seco como nossos corações." Uma síntese do que a humanidade está vivendo hoje, nas palavras de Mazzoni. Uma ária da ópera Mefistofele, de Boito, Giunto Sul Passo Estremo, cantada por Enrico Caruso, é um ilusório sopro de vida, que logo se dissipa e retorna ao caos. Trata-se do momento em que Fausto, cansado de tantas aventuras, é persuadido pelo demônio e descobre sua morte iminente. "A montagem não apresenta uma história linear: ela faz sentido apenas como símbolo. A intenção é que o espectador seja induzido ao subconsciente, perca a noção do tempo e do espaço, e monte a sua própria fábula de acordo com suas referências", diz Mazzoni. "Se conseguirmos instalar esse mistério, faremos com que cada um perca o seu apoio e seja obrigado a mergulhar dentro de si", completa. Envolta em uma aura de ficção científica, a intérprete desse ser amórfico, a bailarina Jacqueline Gimenes, permanece nua do início ao fim. O estudo de sombras - que teve início em 2005 com velas em Amor Fati, continuou com panelões em Wotan e Hagoromo (vencedor da APCA de melhor concepção de dança em 2008) - cria, desta vez, um efeito intrigante, que embasa o fundamento de Mazzoni que diz que a iluminação não serve apenas para iluminar o intérprete e o cenário. "A luz faz parte da narrativa, delineia o espaço e acaba por mexer no tempo." Um universo paralelo criado com quatro lanternas. Serviço Procurando Schubert. Sesc Consolação. Espaço Beta (46 lug.). Rua Dr. Vila Nova, 245, 3234-3000. 5.ª e 6.ª, 21 h. R$ 8. Até 26/6

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