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As idades de Cate

Em entrevista exclusiva, atriz australiana conta como foi brincar de envelhecer em O Curioso Caso de Benjamin Button, em que volta a dividir a cena com Brad Pitt

Por Flavia Guerra e LONDRES
Atualização:

Na antessala do Covent Garden Hotel, entre canapés, conversas sobre o tempo e a política internacional, o assunto que realmente importava aos jornalistas que esperavam para falar com uma das maiores estrelas de Hollywood era mesmo "Como é que ela faz para ter aquela pele incrível?" Ela era Cate Blanchett, 39 anos, três filhos, várias indicações (e premiações) para o Oscar, Globo de Ouro, Bafta. Duplamente indicada para o Oscar no ano passado, por Elizabeth - The Golden Age e Eu Não Estou lá, e vencedora do Oscar de coadjuvante em 2005 por O Aviador. O que ainda falta na carreira dessa australiana que, após viver em Londres por anos, onde conheceu o marido, o dramaturgo Andrew Upton, decidiu voltar à sua terra natal? "Tanta coisa. Dirigir um filme, fazer um bom trabalho na Sydney Theatre Company (da qual ela e Upton são diretores artísticos), criar meus filhos", cita a atriz quando, após horas de entrevistas, jantava uma salada (para manter a forma depois do nascimento do terceiro filho, Ignatius Martin, em abril de 2008) enquanto conversava com o Estado sobre seu mais novo filme, O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher (Clube da Luta e Seven - Os Sete Pecados Capitais), que estreia nesta sexta-feira. Dia exaustivo, mas não o suficiente para tirar a polidez da atriz. No filme, adaptação de um conto de F. Scott Fitzgerald, ela é uma bailarina que se apaixona pelo curioso Benjamin. O longa, que tinha cinco indicações para o Globo de Ouro (filme/drama, direção, ator dramático, roteiro, música original), mas não levou nenhum, já é apontado como um dos figurões do Oscar deste ano. A trama conta a história de Benjamim (Pitt), um bebê que nasce velho e rejuvenesce com o passar do tempo. Em determinado momento, a trajetória e as idades, de Daisy (Cate Blanchett) e Benjamim se encaixam e eles parecem ser o casal perfeito. O problema é que ele vai se tornando cada vez mais o filho. E Cate cada vez mais a mãe do homem que ama. "Muitas vezes acontece na própria vida. Perdi meu pai muito jovem e, de certa forma, meu marido é também uma figura paterna para mim." Ela conta que perdeu o pai aos 10 anos e até entrega a marca do creme que usa contra rugas. A tal da pele de pêssego parece ser mesmo imune às horas de perguntas repetida. Você deve estar cansada de ouvir pela enésima vez no mesmo dia que sua forma está incrível no filme, que forma um belo casal com Pitt, pergunta o Estado. "Estou. Mas faz parte do meu trabalho. E estou bem crescidinha para entender que não só a pele, mas a mente também tem de se manter fresca para enfrentar essas maratonas", responde ela, enquanto monitora o jantar dos três filhos (além de Ignatius, Dashiell, de 6 anos, e Roman, de 4) que estão no andar de cima do hotel. Você não acha que a frase (atribuída a Chaplin) de que deveríamos nascer velhos e rejuvenescer até morrermos bebês se aplica bem a Benjamin Button? Acho essa frase linda, mas tão triste de se dizer. Porque é tão carregada de arrependimento e este é um filme sobre a alegria e a tristeza de se nascer não com a sabedoria, mas com o corpo de um velho homem e a mentalidade de um jovem. Vocês não brincam com a ironia de que muitas vezes se tem juventude, mas não sabedoria. No caso de Benjamin, ele tem os dois. Você envelhece. Ele não. Foi essa dualidade que mais a seduziu nesse papel? Na verdade, ele também envelhece. Meu primeiro impulso ao aceitar o papel foi bem mais prosaico: queria voltar a trabalhar com David (Fincher) e com Brad (com quem dividiu a cena em ?Babel?). E aí essa história apareceu e parecia tão dolorosa e, ao mesmo tempo, romântica e fantástica. E pensei o quão desafiador seria interpretar um personagem que vai dos 6 aos 86 anos. Como é trabalhar com Fincher? Uma doce agonia. Ele é extremamente meticuloso, nos adora e odeia ao mesmo tempo e é incrivelmente engraçado. Vocês continuam brincando com a ideia de não só envelhecer, mas com a diferença de idade (e tempo) entre vocês? E brincamos também com o fato de como o amor se trata também de duas pessoas estarem no mesmo momento da vida, em sintonia física, mental e emocional. Foi também desafiador trabalhar a velhice na tela? Mulheres estão comentando sobre quanto você parece ser mais jovem do que é. Até o creme anti-idade que você usa as interessa. Você sente pressão para ser sempre jovem? De forma alguma. Óbvio que me cuido, mas também é óbvio que estou mais velha. No fundo, ainda morremos de medo da morte. Mas é inevitável e temos de nos preparar. Somos obcecados com o que parecemos ser e não com o que pensamos. Ou na evolução de nossas crenças. Mas você pôde ?envelhecer? no filme. E para a ?fase jovem?, também precisou de efeitos especiais? Fosse outra época, poderia ficar ofendida com essa pergunta. Hoje não. A idade é algo essencial nesse filme. Por isso, houve um pouco de ?maquiagem digital? para me fazer parecer mais jovem e mais velha. E pode-se fazer só com iluminação. Posso parecer que acabei de fazer um lifting só pela forma com que meu rosto é iluminado. E muito disso também é a energia que eu, como atriz, empreguei em cena. Então, me desculpe, mas não se trata só de maquiagem. O que há de tão especial em Daisy? Pensei em como achamos que tudo é possível quando somos jovens, como lutamos contra o mundo sem medo e com vontade. Mas não é fácil lidar com a própria mortalidade quando se é jovem. E Daisy tem de aprender a lidar com isso muito cedo. Ela pode ser cruel, mas está vivendo uma situação muito especial também. Tem de aprender a lidar com a perda de forma muito particular. Você perdeu o seu pai muito jovem. E hoje você é mãe de três garotos. Isso com certeza mudou sua forma de lidar com a morte. É verdade. Isso faz com que você dê valor às coisas desde cedo. Isso passou a ser mais forte depois que me tornei mãe. Hoje valorizo mais meu tempo. Tornar-se diretora da Sydney Theatre Company é uma forma de valorizar mais seu tempo e estar mais próxima de seus filhos? É. Estou mudando meu foco também. Eu e meu marido decidimos voltar para Sydney porque lá é nosso lugar. Além de poder usar nosso prestígio e nossas conexões para promover ações, podemos trabalhar em planos que são desenvolvidos mais a longo prazo. O que é mais desafiante: estrelar em Hollywood ou administrar o teatro de sua cidade? Difícil dizer. São coisas diversas. Ter vivido no exterior dá outra perspectiva, muito mais crítica em relação à própria cultura. Mesmo com papeis inesquecíveis no cinema, o teatro ainda é muito importante para você, não? Claro. É até um chavão, mas o palco é muito mais orgânico e o cinema tão mais distante. Este ano vou viver um personagem que sempre quis fazer: Blanche du Bois, em Um Bonde Chamado Desejo, dirigida pela Liv Ullman. O que ainda falta você fazer, seja na Austrália ou no mundo? Quero criar bem meus filhos. No teatro e cinema, o que procuro é uma boa história.

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