As crônicas visuais de Vânia Toledo

Diário de Bolsa traz 30 anos de viagens da artista pelo mundo, flagrando situações inesperadas, às vezes com gente famosa

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Por Simonetta Persichetti
Atualização:

Trinta anos de fotografia, trinta anos andando pelo mundo com uma pequena câmera na bolsa para conseguir flagrantes, momentos inesperados, situações não pensadas. O resultado: de um vasto arquivo, pulam 150 imagens que compões a mostra Vânia Toledo: Diário de Bolsa, em cartaz na Pinacoteca do Estado desde sábado. "Aprendi a fotografar fotografando", diz Vânia Toledo em entrevista exclusiva ao Estado, durante a montagem da exposição. Com sua risada contagiante, ela vai lembrando histórias e momentos de cada foto: "Esta exposição é a prova da liberdade do olhar, da composição, um momento particular e íntimo feito com uma câmera despretensiosa", ela nos conta. Um relato cultural do fim dos anos 70 e 80: "Um momento muito rico culturalmente no mundo todo." E ela fala com conhecimento de causa: formada em Ciências Sociais pela USP - foi aluna de Ruth Cardoso e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso -, via na fotografia a oportunidade de contar o comportamento do ser humano. Embora a fama tenha vindo nos anos 80, quando publicou o primeiro livro com homens nus no Brasil, ela começou nos anos 70 no Aqui São Paulo, último diário criado pelo jornalista Samuel Wainer. Também fotografou para revistas como Vogue Pop, Around, Interview e A-Z. Publicações que marcaram época pela forma como tratavam os acontecimentos e as pessoas: "Usávamos uma estética que se perdeu a partir dos anos 90. Hoje é tudo muito rígido, esteticamente perfeito, retocado, produzido. A realidade deixou de ser a realidade e virou um hiper-realismo", reflete, enquanto caminhamos pela mostra. Essa sua fala não é necessariamente contra essa estética, mas chama a atenção para uma mudança na intencionalidade da composição da imagem: "As pessoas são transformadas em bonecos, em figuras irreais. Perdeu-se a alegria de fotografar, graças a este momento midiático de pose lobística e marketing pessoal", dispara. Talvez por isso essa forma de composição chame tanto a sua atenção, já que seu interesse maior foi e continua sendo a condição humana. Assim são suas imagens: simples, mas nunca simplórias. Como diz o próprio título da exposição: diário de bolsa. Aliás, os diários, ou cadernos de artistas, ou diários criativos há algum tempo voltaram a ser discutidos, lembrados em temas inclusive de trabalhos acadêmicos: "Sempre fiz diários na minha vida, com textos ou com fotografias. Me inspirei nos maravilhosos diários de Virginia Woolf, que eram belíssimos, até hoje escrevo diários." Se no texto foi a escritora britânica que a inspirou, imageticamente seu mestre foi o norte-americano Andy Warhol, uma das figuras-chave da pop art. Mestre, aliás, que ela fotografou no legendário Studio 54, em Nova York, no começo dos anos 80: "Fiquei louca quando vi as suas Polaróides. Como alguém podia fazer aquilo com uma câmera tão trivial... queria fazer igual", diz, assumindo a influência do artista. E, pensando bem, ou melhor, olhando bem, suas fotografias, seus retratos nos lembram mesmo os retratos feitos por Warhol. Munida de uma câmera amadora Yashica, apelidada por Gilberto Gil de Nhá Chica - "O Gil me via e dizia, ?lá vem a Vânia com sua Nhá Chica?, lembra dando mais uma de suas sonoras gargalhadas -, ela andou por festas, entrou em quartos, banheiros, se escondeu nos bastidores: "Ninguém prestava muita atenção ao que eu estava fazendo, talvez por acreditar que com aquela camerazinha eu não pudesse fazer qualquer foto", se diverte. Ao contrário: em cada retrato, uma infinidade de informações, simbologias, dicas de comportamento. A não perfeição da imagem, incluída na linguagem, traz à tona o que é próprio da fotografia: o registro flagrante. "Basta você estar atento, olhar com cuidado, que com qualquer equipamento você consegue fazer um trabalho. O importante é apurar, afinar o olho e registrar a leveza. Não se levar a sério." Foi pensando dessa maneira que ela fotografou um momento pueril do casal Fernanda Montenegro e seu marido Fernando Torres, sentados na platéia do teatro e conversando tranqüilamente, ou um jovem Caetano Veloso na platéia de um cinema, ou ainda Hermeto Pascoal saindo detrás de uma cortina ou o carinho de Rita Lee grávida e seu marido Roberto. É o que vale na fotografia, aquele pequeno detalhe que ninguém percebeu, viu: "Gosto de pensar que consigo retratar o inconsciente coletivo, de fazer esse registro, de estar sempre atenta às pequenas coisas. Sempre fui uma cronista visual." Mas Vânia deixa bem claro que sua exposição não pode ser vista como uma retrospectiva, visto que também há fotos feitas neste ano: "Não é meu arquivo. Sou eu fotógrafa. É meu aqui e agora! Meu olhar é o mesmo! Meu prazer é a fotografia e ela é despudorada! Só assim entendo fotografia!" Serviço Vânia Toledo. Pinacoteca do Estado. Pça. da Luz, 2, Luz, 3324-1000. 10h/18h (fecha 2ª). R$ 4 (sáb., grátis). Até 26/10

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