As canções que você fez para nós

Estado localiza em Cachoeiro a primeira grande admiradora do ?Rei?, Gercy Volpato, e outros personagens da vida do cantor

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Por Jotabê Medeiros
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Corria o verão de 1950 no distrito de Cobiça, área rural a 7 quilômetros da cidade de Cachoeiro do Itapemirim, quando a garota de olhos verdes ouviu no rádio uma voz infantil cantando o bolero Amor y Más Amor, então um sucesso na voz de Fernando Borel. "Ah, eu quero ir ver esse menino!", conta hoje aquela moça sonhadora. Chamou a irmã, Maria Leonor, se arrumaram e caminharam duas horas pela estrada de terra até a sede da Rádio Cachoeiro, prefixo ZYL-9, para conhecer o novo ídolo. E passaram a repetir esse ritual durante meses, a cada vez que ele cantava. Foi assim que Gercy Volpato se tornou a primeira fã do cantor Roberto Carlos, que tinha apenas 9 anos na época. Quer dizer: Roberto Carlos comemora 50 anos de carreira, mas ela é fã dele há 59 anos. Ao longo dessa eternidade, ela acompanhou a carreira do seu ídolo com extrema devoção - tão extrema que renunciou aos namorados ("Eles implicavam comigo por causa do Roberto", diz) e a um eventual casamento apenas para "poder segui-lo", como diz hoje, aos 78 anos, olhando divertida para os visitantes boquiabertos, recostada na janela de seu centenário casarão de janelas azuis na Fazenda Entre Penha, em Cobiça, no sopé das montanhas arredondadas do Espírito Santo. Gercy hoje está sozinha, e o que a motiva na vida é apenas a paixão pelo ?Rei?. Os pais há muito se foram. A irmã, Maria Leonor, a Loura, que compartilhou a paixão de Gercy e também passou à adoração por Roberto, morreu em fevereiro do ano passado. Gercy e Loura ficaram conhecidas na cidade como As Irmãs Volpato. Na colonial casa da fazenda, herdada do pai, Gercy construiu seu pequeno santuário para o ídolo, um museu que possui relíquias que nem o próprio Roberto tem, como o primeiro ingresso para seu show em Cachoeiro do Itapemirim, no Cine Teatro Broadway, em 1966 (era domingo, o ingresso custava Cr$ 200, o show começava às 10 h da manhã). O acervo de Gercy é impressionante. Num dos quartos, montou uma exposição de fotos de diversas fases da carreira, além de autógrafos, revistas e memorabilia de toda ordem. "Gercy e Maria Leonor, mil beijos do Roberto Carlos", está escrito na foto de 1966. As paredes laterais do quartinho são forradas por duas insólitas coleções, uma de chaveiros e outra de estribos, fivelas, lampiões e facões de ferro. "Eu o conheci quando ele era apenas um menino, de muletas." Mas um dia Roberto Carlos se mudou para Niterói, arrumou uma prótese e iniciou a conquista do mundo pela via da música. Os leitores acham que ela ficou apenas nessa de fã platônica? Enfiada numa fazenda esperando o trem chegar trazendo o ídolo de volta? Nada disso, ela e a Loura foram atrás do seu garoto. "A gente foi para o Rio atrás dele. O mais curioso é que meu pai deixou. Imagine, duas garotas de fazenda soltas no Rio, atrás de um cantor?", ela lembra. Foram a programas de auditório, falaram com o ídolo, perderam-se na cidade. Dois anos depois, voltaram à Cidade Maravilhosa. Roberto se apresentaria no programa de Luiz Vanderlei, na TV Continental. Na saída do programa, pegaram um táxi juntos, Roberto, Vanderlei e as Irmãs Volpato. Vanderlei saltou na Avenida Presidente Vargas. Roberto saltou em São Cristóvão, mas antes meteu a mão no bolso e sorriu amarelo. "E agora que não tenho dinheiro para pagar o táxi?" As Irmãs Volpato ficaram com o prejuízo, mas até nesse pequeno calote elas tiveram alegria, conta Gercy. Gercy não tem do que se queixar. Ao longo desses anos todos, o ídolo nunca a esqueceu. E ela vai vê-lo de novo - quando a reportagem do Estado chegava, Roberto tinha acabado de mandar um produtor ligar para dizer que vai mandar buscá-la amanhã, quer dar um abraço nela. Mesma sorte tem a primeira professora de piano de Roberto Carlos, dona Helena Mignone, agradável senhora de modos aristocráticos que vive em Cachoeiro, admiradora da peça musical Rêve d?Amour, de Lizst. "Tem alguns amigos que ele seleciona e eu estou nesse rol, tenho essa ventura. Sempre que ia ao Rio e ele ia cantar no Canecão ele me enviava convites", conta Helena, sentada ao lado do centenário piano Kohler que ganhou do pai. Ela mostra aos visitantes um programa antigo de suas aulas de piano com um calhambeque desenhado nele, peripécia de Roberto Carlos, que ela ensinou entre os 13, 14 anos. "Roberto tinha um ouvido excepcional, mas não queria ser pianista, me disse isso desde o primeiro momento. Era apenas mais uma ferramenta que ele usaria para seu ofício de compositor", lembra a professora, de 80 anos, hoje aposentada, que é tia do comediante Marcelo Adnet, da MTV. Rogério Franzotti, guia de turismo da prefeitura de Cachoeiro, tem a mesma idade do ?Rei?, 67 anos, e também outras coisas em comum. Foi colega do primeiro ano ginasial do cantor no Colégio Jesus Cristo Rei, e jura que o vascaíno Roberto Carlos, além de gostar de futebol, era bom goleiro nas peladas de garoto. "Era terrível, levado, extrovertido", conta Rogério, que desmente a história de que teria havido uma namoradinha de infância nessa época. "Naquele tempo, era mulher de um lado e homem do outro. Mas ele gostava de paquerar, jogar um charme", conta. No Colégio Cristo Rei, onde estudou três anos, Roberto é tema de jograis, poemas, é cantado por corais e há um outdoor celebrando sua ligação com a escola, "que não vem de hoje", como diz Andressa Pepe Costa, professora de matemática. Ele recebe as visitas, que dobraram, e até construiu uma Sala Roberto Carlos no colégio, onde está sendo exibido o medalhão que sua primeira professora, irmã Fausta de Jesus, mandou fazer banhado a ouro. Adolescentes da escola, apesar dos piercings e das tatuagens, demonstram ter alguma intimidade com o antigo aluno. "A gente tem a mesma raiz, pode ter o mesmo futuro", diz Carolina Rocha Machado Ribeiro, de 15 anos. "Todos podemos ser bons como ele. Talvez não na musicalidade, mas naquilo que cada um escolher ser na vida."

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