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Artistas plásticos falam em livro sobre influências que marcaram suas vidas

'Pontos de Vista', do editor e historiador de arte Simon Grant, revela artistas preferidos de Vik Muniz, Bill Viola, Chuck Close, David Salle, Ed Ruscha, Sugimoto, entre outros

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Nem todos os 78 artistas escolhidos pelo historiador de arte Simon Grant para escrever sobre suas principais influências em Pontos de Vista: Artistas e Seus Referenciais são conhecidos. Isso não impede que a leitura do livro do também editor inglês, lançamento das Edições Sesc, seja inspiradora para um público não familiarizado com o mundo da arte. Ele revela como se forma o imaginário dos contemporâneos, nem sempre sintonizados com os artistas de sua época, caso dos brasileiros Beatriz Milhazes e Vik Muniz. A pintora mais cara do Brasil escolheu, por exemplo, o gótico belga Hans Memling (1430-1494) para colocar em seu panteão ao lado dos modernos Matisse e Tarsila do Amaral. Já Muniz adiantou um pouco os ponteiros e selecionou o barroco flamengo Rubens (1577-1640), pois foi após uma visita a uma exposição do pintor, no Metropolitan, que ele decidiu se tornar um artista nos anos 1980.

Há outro brasileiro na lista de Grant, Ernesto Neto, mas ele não escolheu nenhum mestre do passado. Destacou Lygia Clark (1920-1988), um dos grandes nomes do movimento neoconcreto, a quem deve a inspiração, segundo seu ensaio. Neto aponta a obra Ovo Linear (1958), peça circular de madeira pintada com tinta industrial, como a “semente”, o marco zero de tudo o que criou. Trata-se, de fato, de uma obra seminal também para sua autora Lygia Clark, que passou depois a criar seus primeiros objetos tridimensionais às vésperas de sua adesão ao Manifesto Neoconcreto (1959).

Tela "Onze da Manhã" de Hopper foi relida pelo fotógrafo Gregory Crewdson Foto:

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É curioso como os grandes nomes da arte internacional escolhidos por Grant – Bill Viola, Chuck Close, David Salle, Ed Ruscha e Sugimoto, entre outros – apontaram, a exemplo de Beatriz Milhazes e Vik Muniz, artistas pré-modernos como seus inspiradores. Os ícones dos modernos têm mais de cinco séculos, como o do videomaker americano Bill Viola, que escreve como a têmpera O Cristo Morto Sustentado por Anjos (1465-70), de Bellini, o fez “perder a compostura” e começar a chorar em plena National Gallery. Há no livro, além do seu ensaio, uma carta “endereçada” a Bellini, de 2008, em que Viola, impressionado com o realismo do italiano, pergunta se a tinta vermelha com a qual pintou as feridas do Cristo espirrou em seus olhos. “Agora que você não está mais nesta Terra, que imagens vê”? , pergunta Viola na carta.

Não é uma questão cínica, mas sincera, a do videomaker, que, na ocasião, por incrível coincidência, ocupava o Palazzo delle Esposizione em Roma ao lado de uma retrospectiva de Bellini. Passado distante e presente se cruzam num livro que pretende romper a fronteira histórica ao mostrar a conexão insuspeitada entre o expressionista Philip Guston e o barroco Rembrandt, o minimalista Carl André e o naturalista Daumier ou o fotógrafo japonês Hiroshi Sugimoto e o renascentista Petrus Christus, ativo em Bruges no século 15. Sugimoto sugere que, ao ver o famoso retrato da jovem dama pintado por Christus, em 1470, encontrou o significado perfeito da frase “Deus está nos detalhes”. Obcecado pela perfeição, passou a usar uma obsoleta ‘plate camera’ para se aprofundar no infinitesimal da imagem, à maneira dos pontilhistas, atribuindo a Christus essa sua fixação no detalhe.

Há casos em que a identificação com o modelo se transforma numa relação simbiótica, como a do fotógrafo Gregory Crewdson e do pintor hiper-realista Edward Hopper (1882-1967). Crewdson, nova-iorquino de 52 anos, ficou conhecido por reencenar fragmentos de filmes clássicos (como Janela Indiscreta) e recriar a atmosfera das telas de Hopper, como se pode ver nas duas fotos maiores desta página. Há uma narrativa quase literária nas cenas pintadas por Hopper, que igualmente admitia uma aproximação com o cinema ao enquadrar seus personagens em interiores desolados, como em Onze da Manhã (1926), na foto acima.

A ideia da teatralidade, segundo Crewdson, “é proeminente na cultural visual” dos EUA. Ele acredita que isso tenha a ver com a fixação do americano médio no artificial, o que faria o realismo de Hopper mais psicológico do que propriamente uma representação fiel do mundo. Beleza e tristeza não só rimam no trabalho de Hopper, observa Crewdson, mas sintetizam as três situações que fazem parte da psique americana: sair do interior, migrar para o Oeste e viajar por uma estrada.

Chuck Close, também americano, acha que o melhor mesmo é viajar no museu e destacou a tela A Leiteira (1657-58) do holandês Vermeer como uma imagem tão sublime “que transcende a realidade física para se tornar uma aparição digna de criação divina”. Já a inglesa Rachel Whiteread viu no Batismo de Cristo (1450) de Piero della Francesca uma leve sugestão erótica por causa da tanga transparente do Messias. Coisa de artista.

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PONTOS DE VISTA.

Autor: Simon Grant.

Tradução: Thais Rocha

Editora: Sesc Edições (208 págs., R$ 65) 

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