Arte na contramão do Sul Maravilha

Mostra reúne 20 dramaturgos que vivem e atuam no Nordeste para apresentar e debater as diferentes vertentes de sua cena

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Por Beth Néspoli
Atualização:

A Mostra de Dramaturgia Nordestina, que começa hoje e cuja ampla programação ocupa a um só tempo o Centro Cultural São Paulo e o Centro Cultural Banco do Brasil, oferece ao espectador uma oportunidade rara até para os padrões da metrópole paulistana, que costuma receber quase todos os espetáculos de passagem ou criados no País. Afinal, neste Brasil-continente costuma ser bem mais intenso o trânsito de peças teatrais no sentido Sudeste para o Nordeste do que no caminho oposto, pelo menos no que diz respeito a dramaturgos que seguem morando na região, como é o caso dos participantes desse evento. Assim, essa mostra na ?contramão? que inclui espetáculos, leituras dramáticas, debates e demonstrações de trabalho de grupos pode surpreender aqueles que só conhecem uma vertente da dramaturgia nordestina, aquela que segue o veio da cultura popular, divulgada sobretudo por meio da obra de Ariano Suassuna. "Na linha de criação que remete ao sertão e trabalha com temas regionais há uma corrente estética que aborda o sertão mais profundo, toca em temas míticos e personagens arquetípicos", diz o escritor Newton Moreno, autor de As Centenárias, em cartaz no Rio. "Sem contar uma outra, de temas urbanos, que foge totalmente à cor local." Pernambucano radicado em São Paulo, ele participa já como ?estrangeiro? numa das mesas, assim como Luis Alberto de Abreu e Márcio Aurélio. Não por acaso, esses três nomes estão entre os debatedores convidados, pois há afinidade entre a obra deles e a dessas diferentes vertentes. Autor de textos como Agreste e Assombrações do Recife Velho, este último adaptação de histórias regionais, Newton Moreno trabalha com elementos regionais numa criação mítica e trágica, enquanto a pesquisa de Luis Alberto de Abreu toca o mítico pelo ângulo da comédia e dos tipos populares, com João Teité e Matias Cão, primos artísticos de João Grilo e Chicó. Márcio Aurélio, diretor de Agreste, tem uma escrita cênica que se alinha mais à estética urbana e contemporânea da cena, no caso da nordestina, conhecida aqui, em São Paulo, pela passagem do grupo Coletivo Angu, criador do espetáculo Angu de Sangue. Claro que nada é tão estanque, há um contaminação entre essas vertentes, o que sem dúvida será tema debatido nesse encontro. Marcos Barbosa, por exemplo, autor de Virgolino e Maria, Auto de Angicos, recentemente em cartaz com Marcos Palmeira e Adriana Esteves no elenco, é também autor de Quase Nada, encenada no ano passado em São Paulo pelo diretor Alain Brum, uma peça de forte impacto sobre a história de um casal de classe média que mata um garoto num assalto. A mostra conta com 20 dramaturgos de oito Estados e tem curadoria de Sebastião Milaré, feita em parceria com o dramaturgo e encenador Racine Santos, do Rio Grande do Norte. Os espetáculos - a parte da programação que interessa a todo espectador - foram escolhidos de forma a abarcar essa variedade de vertentes. Deus Danado, de João Denys (RN), segue a linha do sertão mítico e profundo, enquanto Como Nasce Um Cabra da Peste, de Altimar Pimentel (AL), homenageado no evento, se alinha ao cômico popular. Curiosamente, uma outra montagem de Deus Danado, de Mossoró (RN), já fez temporada no Sesc da Avenida Paulista. Sinhá Flor, que tem texto e direção de Eliézer Rolin, aborda a relação de duas velhas num asilo e ao que tudo indica é um desses espetáculos que, embora lide com elementos locais, aqui alcança comunicação universal. Lesados, de Rafael Martins (CE), já apresentado no Festival Internacional de Teatro de Rio Preto, segue a linha urbana, fala da apatia de uma gente sem causa, e poderia talvez ter sido escrita por um autor de qualquer parte do País. Escolha O Que Ver Ou Ouvir Da Cena Nordestina ESPETÁCULOS Como Nasce Um Cabra da Peste, de Altimar Pimentel (AL) Direção de Eliézer Rolin com a Agitada Gang (PB) Hoje e amanhã no CCSP De quinta a domingo no CCBB Lesados, de Rafael Martins (CE) Direção de Yuri Yalmamoto, Grupo Bagaceira (CE) De sexta a domingo no CCSP Do dia 13 a 16 no CCBB Deus Danado, João Denys (RN) Direção de Nildo Garbo, com o Grupo Teatro Arte-em-Cena (PE) De 20 a 23 no CCBB Dias 25 e 26 no CCSP Sinhá Flor, de Eliézer Rolin (PB) Direção do Eliézer Rolin, Cia. Sírius de Teatro (PB) De 27 a 30 no CCBB Dias 2 e 3 de dezembro no CCSP Horários: CCSP, de ter a sáb., 21 h, dom., 20 h CCBB: ter a sáb. 19h30, dom. 18 h PALESTRAS Formas da Cultura Popular na Dramaturgia Contemporânea Com Oswald Barroso (CE), Racine Santos (RN) e Luis Alberto de Abreu (SP) Mediação: Sebastião Milaré (SP) Amanhã, 16 h, CCSP Raízes da Moderna Dramaturgia Nordestina Com João Denys (PE), Paulo Vieira (PB) e Newton Moreno (SP) Mediação: Sebastião Milaré (SP) Quinta, 16 h, CCSP A Encenação Contemporânea, Formas Tradicionais Com Tácito Borralho (MA), Lindolfo Amaral (SE) e Márcio Aurélio (SP) Mediação: Sebastião Milaré (SP) Sexta, 16 h, CCSP LEITURAS DRAMÁTICAS O Romance do Conquistador, Lurdes Ramalho (PB) Sábado, 16 h Meire Love - Uma Tragédia Lúdica, Suzy Elida (CE) Dia 15, 16 h Aparição e Vagabundo, Vital Santos (PE) Grupo Teatro Arte-em-Cena Dia 22, 16 h À Luz da Lua os Punhais, Racine Santos (RN) Cia. Sirius de Teatro (PB) Dia 29, 16 h

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