PUBLICIDADE

Antes Que Eu Esqueça expõe o triste fim da existência

Jacques Nolot retrata a amarga falta de perspectiva da velhice

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
Atualização:

Aos 58 anos, Pierre angustia-se com a solidão, o passar do tempo e a falta de perspectiva. Por isso, busca refúgio nos psicotrópicos, além de se fechar em si mesmo. Com esse ponto de partida, Jacques Nolot construiu um amargo filme sobre a fase final da vida em Antes Que Eu Esqueça, em que dirige e interpreta. Ele vive Pierre, homossexual que busca inspiração para voltar a escrever. Enquanto isso não acontece, encontra amigos que, também solitários, vivem a crise da terceira idade. O consolo vem de encontros fortuitos com garotos de programa ou entregadores de supermercado, o afeto em troca de dinheiro. Para Nolot, parece não existir esperança. Seus personagens se agarram a pequenas vitórias e exibem isso como um verdadeiro troféu para os outros: um bronzeamento, uma ruga a menos, uma relação pouco conturbada, tudo o que aparenta ser insignificante é, na verdade, um incentivo a viver mais um dia. O diretor acentua essa dificuldade em sobreviver criando cenas longas em que quase nada acontece, ratificando a falta de perspectivas. E a situação de Pierre se agrava quando seu ex-companheiro, de quem se separou há três meses, morre sem lhe deixar nenhum bem. Na verdade, ele alega a existência de um testamento que lhe favorecia, mas que foi preventivamente escondido pela família do falecido. Assim, na cena mais melancólica do filme, Pierre é obrigado a observar os objetos do ex-amante expostos antes de ir a leilão, algo como descobrir parte do passado colocado à venda: presentes que ele mesmo deu, quadros que admirou, retratos de momentos em que participou. É o suficiente para aceitar o convite do garoto de programa com quem mantém uma relação e que sonha vê-lo vestido de mulher. Fantasiado, Pierre o acompanha até uma boate e, antes de entrar, fuma um cigarro, significando provavelmente o último momento daquela vida - ao som poderoso de Mahler, Nolot cria a mais bela cena cinematográfica de Antes Que Eu Esqueça, em que Pierre entra na boate, na verdade um lugar escuro que pode representar tanto uma nova fase da existência como a própria morte. Embora seja esse seu quarto longa como diretor, Nolot acumula larga carreira como ator, participando da filmografia de importantes cineastas como François Ozon (Sob a Areia) e André Techiné (Rosas Selvagens). Sua história pessoal é curiosa: chegou a Paris com 17 anos sem nenhum diploma e se sustentou vendendo legumes. Dois anos depois, inscreveu-se em um curso de arte dramática no qual conheceu artistas que logo se notabilizariam, como Techiné, com quem trabalhou em vários filmes. Aos poucos, criou fama como excelente ator secundário, o que permitiu trabalhar com Patrice Leconte, Claire Denis e outros, até se aventurar como roteirista e na direção. Serviço Espaço Unibanco 3: Hoje, às 22h50. Cotação: Bom

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.