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Anna Maria Maiolino abre exposição na galeria Luisa Strina

Ao contrário do barroco antigo, ela busca o extraordinário no real

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Com mais de meio século de carreira reconhecida por prêmios, é natural que Anna Maria Maiolino, aos 72 anos, seja uma das mais requisitadas artistas do circuito internacional. Há dois anos foi a grande sensação brasileira na Documenta de Kassel. Em maio abriu uma exposição na galeria Hauser & Wirth de Nova York. Em abril de 2015, vai ocupar a galeria Raffaella Cortese de Milão, seguindo em setembro para a Tate de Londres. Na última quarta-feira, ela abriu sua primeira exposição na galeria Luisa Strina, mostrando 40 trabalhos produzidos nos últimos cinco anos, de austeros desenhos da série Vestígios (2010) às recentes esculturas da série Proposições (peças em cerâmica raku de 2014).

Artista multidisciplinar, que já começou sua trajetória na histórica mostra Nova Objetividade do Museu de Arte Moderna do Rio, em 1967, Maiolino, nascida na Itália, exibiu na época uma enorme orelha esculpida em referência à paranoia do período da ditadura, que usava escutas telefônicas contra inimigos do regime. Ligada aos mais importantes movimentos dos anos 1960 e amiga de Hélio Oiticica, Maiolino nunca deixou de produzir arte destinada a transfomar a realidade e provocar reflexão. Define-se como uma barroca moderna, cuja poética, ao contrário dos barrocos antigos, não busca reproduzir o esplendor do mundo sobrenatural, mas produzir o extraordinário, a opulência, afirmando a materialidade do mundo concreto.

Gesto expansivo. Anna Maria Maiolino diante de um trabalho da série "Propícios" Foto: Evelson de Freitas/Estadão

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Foi a leitura do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995), que a fez tomar consciência de que a repetição, em seu trabalho, não era exatamente uma obsessão, mas necesssidade de afirmar a diferença, parafraseando o título do livro Diferença e Repetição, lançado por Deleuze em 1968. Maiolino é de origem calabresa. Filha de intelectuais, ela vivia entre o mundo camponês - agrário, pré-moral - e o mundo moderno, materialista, laico, o mundo da perda de identidades e do simulacro. Surgiu desse confronto a necessidade de harmonizar razão - e a filosofia, para Deleuze, era produzir conceitos - e intuição, gesto.

Migrante, Maiolino viveu em vários países, casou-se com o artista argentino Victor Grippo, foi morar na Argentina em 1984, enfrentou uma crise profissional e, ao voltar ao Brasil, em 1989, teve a epifânica visão da argila como marco zero de um período renovador de sua arte. “Comecei a fazer uma série de esculturas usando o método tradicional da cerâmica, mas logo entendi que não era ceramista, adotando uma nova metodologia”, conta. Usando as mãos como molde, à maneira de um padeiro (ou do Criador), ela passou a repetir formas ancestrais que, de tão arcaicas, pareciam paradoxalmente modernas quando colocadas lado a lado - caso da instalação Here & There (Aqui e Ali), que mostrou na última Documenta de Kassel, ocupando a casinha de um jardineiro no parque Karlsaue com peças de argila moldada.

Esse trânsito entre passado e presente é intenso na obra de Anna Maiolino. Há ecos de Lucio Fontana, de Henri Michaux e dos homens das cavernas em seus desenhos, assim como do dadaísta Hans Arp em suas esculturas, especialmente na série Híbridos (2008-2014), representanda nesta página na foto menor, que mostra uma peça em metal fundido e crisol. No entanto, a marca pessoal de Maiolino se impõe. Não a identidade, mas a própria diferença que passa a ser a essência do ser, justamente pela repetição de peças que incorporam o acidente - e as de argila lidam com a queima direta, como no princípio do mundo. “O fogo é a nossa primeira cultura”, justifica.

Há, no entanto, uma narrativa sofisticada em vídeos como o beckettiano In Out /Antropofagia (1973-1974), que propõe a deglutição dessa cultura europeia por meio de duas bocas devoradoras - vídeo esse disputado por vários museus do mundo. Parte dessa narrativa estará reunida no livro A Pele de Anna, parceria com o pernambucano Daniel Lins, ex-aluno de Deleuze, que a Cosac Naify lança em 2015. O livro não terá cronologia. “Desde que abandonei a figuração, nos anos 1980, não penso mais em começo e fim, mas em recomeço”, conclui.

PONTO A PONTO Galeria Luisa Strina. Rua Padre João Manoel, 755, telefone 3088-2471. De 2ª a 6ª, 10 h/19 h; sáb., 10 h/17 h. Grátis. Até 14/11.

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