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Ang Lee, mais uma vez

Se, Jie (Lust, Caution) garante o segundo Leão de Ouro, o prêmio principal de Veneza, ao taiwanês radicado nos Estados Unidos

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio e VENEZA
Atualização:

Por essa ninguém esperava. Como já havia levado para casa o Leão de Ouro há dois anos com O Segredo de Brokeback Mountain, ninguém imaginava que Ang Lee fosse repetir o feito com Se, Jie (Lust, Caution). Com a proeza, Lee entra na seleta galeria dos que já venceram o prêmio principal de Veneza duas vezes: o francês Louis Malle, com Atlantic City (1980) e Adeus, Meninos (1987), o também francês André Cayatte, com Justice est Faite (1950) e Le Passage du Rhin (1960), e o chinês Zhang Yimou, com A História de Qiu Ju (1992) e Nenhum a Menos (1999). Por coincidência (ou talvez não), Yimou foi o presidente do júri que deu a Ang Lee essa distinção. Estavam lado a lado na coletiva de imprensa após a premiação. Alguém lembrou que Yimou era também presidente do júri quando Ang Lee ganhou o Festival de Berlim com A Cerimônia de Casamento. ''''Espero que ele esteja sempre em todos os júris'''', brincou Lee. Ficou parecendo jogo de compadres e a China tornou-se amplamente dominante em Veneza. Ganhou ano passado com Em Busca da Vida, de Jia Zhang-Ke (que, este ano, concorreu na seção Horizontes com o documentário Useless... e, claro, venceu). Faturou há dois anos com Lee, apesar de Brokeback Mountain ser uma produção americana. Tudo isso para felicidade do atual diretor do festival, Marco Müller, que é sinólogo de formação e alimenta a mais completa convicção de que o vento novo do cinema sopra do Oriente. E talvez de Hollywood. Geopolítica, enfim. Nesse ambiente, os prêmios para alguns filmes antes apontados como favoritos ficaram parecendo menores, como foram os casos do francês La Graine et le Mulet, sobre o cotidiano dos franco-tunisianos na região de Marselha, e de I''''m not There, uma nada convencional biopic de Bob Dylan, feita por Todd Haynes, que dividiram o Prêmio Especial do Júri. As produções americanas que, ao lado das asiáticas, dominaram a mostra, levaram para casa os importantes prêmios de interpretação: Cate Blanchet, que vive Bob Dylan como um dândi em I''''m not There, levou a Copa Volpi de melhor atriz; entre os atores, o vencedor foi Brad Pitt por sua caracterização como Jesse James, um dos mitos do Oeste. Brian de Palma apresentou Redacted, filme considerado revolucionário sobre a invasão do Iraque, e levou o Leão de Prata de melhor direção por essa corajosa e inovadora leitura da invasão americana ao Iraque e dos efeitos deletérios que ela causa aos próprios EUA. O filme de Ang Lee, além de levar o Leão de Ouro ainda rendeu o prêmio de fotografia a Rodrigo Prieto e o francês La Graine et le Mulet deu à jovem atriz Rafsia Herzi, que faz uma dança do ventre estonteante, o Prêmio Marcello Mastroianni de revelação. O engajado It''''s a Free World, de Kean Loach, deu a seu companheiro de tantos trabalhos, Paul Laverty, a Osella de melhor roteiro. Para o russo Nikita Mikhalkov, que entrou na reta final como favorito com seu 12, sobrou um prêmio que, este sim, soou como mera consolação: Leão de Ouro pela carreira, sendo que este prêmio já havia sido assegurado, de antemão, a Bernardo Bertolucci e Tim Burton. Os brasileiros presentes na seção paralela Horizontes, Andarilho, de Cao Guimarães, e Anabasys, de Joel Pizzini e Paloma Rocha, não conseguiram qualquer resultado. A premiação de Veneza expressou a vocação inicial da seleção deste ano: um filme vencedor oriental (com capital de produção americano e diretor radicado nos EUA) e muitos prêmios para os Estados Unidos, o país que mais teve longas na competição principal. Veneza 2007 foi uma espécie de mostra sino-americana realizada na Europa. Os outros entraram como coadjuvantes. Dito isso, é bom que se deixe claro que Lust, Caution não é mau filme. Mostra Lee, mais uma vez, como um cineasta de ótimo domínio da narrativa e bom diretor de atores. Se, Jie é baseado no romance de Eileen Chang, que muitos definem como a Jane Austen chinesa, por sua aguda observação dos costumes em uma sociedade em mutação. Não é mau filme, mas haveria opções melhores. Talvez o experimentalismo de empenho político de De Palma, talvez o belo filme coral, de ressonância neo-realista La Graine et le Mulet. Ou a ousadia de uma biopic, I''''m Not There, que estilhaça o personagem, Bob Dylan, em heterônimos. Ou Nightwatching, um Greenaway enfim inspirado. Ou mesmo o imenso coração (ainda que ressalvas devam ser feitas) de 12, de Nikita Mikhalkov. A imprensa italiana reagiu de forma negativa à premiação de Lee. Corriere della Sera e La Repubblica falam em ''''surpresa''''. La Stampa chama Lust, Caution de ''''polpetone recheado com cenas de sexo''''. E Il Gazzettino de Veneza é o único a lembrar que o anúncio da premiação foi acolhido com vaias pelos jornalistas (assim como o anúncio de Brad Pitt como melhor ator). O Gazzettino vai adiante: ''''Dois Leões de Ouro em dois anos? Isso faz pensar em um Orson Welles, um Antonioni, um Buñuel ou Bergman...e no entanto, trata-se apenas de Ang Lee''''. Não deixa de ter razão. Aliás, para ficar apenas no maestro há pouco desaparecido: Antonioni ganhou Veneza apenas uma vez, com Deserto Vermelho, em 1964. Mas quase toda a imprensa concorda que, premiação à parte, foi um bom festival, com bons filmes e uma, na opinião de alguns, interessante mescla entre o cinema de arte e a pré-estréia de produções mais comerciais. De nossa parte, diríamos que privilegiar em excesso algumas cinematografias, em detrimento de outras, prejudica a vocação internacional de uma mostra. Por sorte, um dos poucos filmes latino-americanos apresentados, o intereressante e cheio de energia La Zona, do mexicano Rodrigo Plá, foi contemplado com o prêmio para diretor estreante. E foi apenas isso para a América Latina em Veneza 2007. Os premiados MELHOR FILME: Se, Jie (Lust, Caution), de Ang Lee MELHOR DIREÇÃO: Brian de Palma, por Redacted PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI: La Graine et le Mulet, de Abdelatif Kechiche, e I''''m not There, de Todd Haynes MELHOR ATOR: Brad Pitt, por The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford MELHOR ATRIZ: Cate Blanchett, I''''m not There PRÊMIO MARCELLO MASTROIANNI PARA JOVEM ATRIZ OU ATOR: Rafsia Herzi, de La Graine et le Mulet MELHOR FOTOGRAFIA: Rodrigo Prieto para Se, Jie MELHOR ROTEIRO: Paul Laverty, por It''''s a Free World PRÊMIO PELO CONJUNTO DA OBRA: Nikita Mikhalkov LEÃO DO FUTURO: La Zona, de Rodrigo Plá PRÊMIO HORIZONTES: Autumn Ball, de Veiko Ounnpuu PRÊMIO HORIZONTES DOC: Useless, de Jian Zhang-Ke MENÇÃO ESPECIAL DE CURTA-METRAGEM: Death in the Lands of Encantos, de Lav Diaz LEÃO CURTO CURTÍSSIMO: Dog Altogheter, de Paddy Considini PRÊMIO UIP PARA CURTAS: Alumbramiento, de Eduardo Chapero-Jackson

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