Amizade epistolar cultivada pelo autor ainda resiste entre os novos

Prática é favorecida hoje pelos diversos recursos da web, como e-mail e twitter

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Por Redação
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A correspondência que Mário de Andrade trocou com diversos artistas permitiu um enriquecimento intelectual mútuo, como comprovam os vários títulos disponíveis nas livrarias contendo a íntegra das cartas. Um dos diálogos mais importantes de Mário foi com o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), com quem se comunicou por papel durante 22 anos. Ele era o amigo mais querido e também o mais exigente, o que revela o motivo da duradoura comunicação: talentos da mesma estirpe, eles se respeitavam solenemente. No contato, é possível acompanhar, por exemplo, a criação de obras, como Macunaíma, de Mário, que retrabalhou diversos trechos a conselho do amigo. "Quando você me faz qualquer reparo, geralmente aceito e quando não aceito modifico, parafuso, repenso, trabalho e sempre fico numa dúvida baita", escreve Mário, em 1925. Bandeira recebe, em troca, elogios, críticas e sugestões sobre os poemas que escreve e traduz. Os dois amigos comungam também críticas a desafetos comuns, como os escritores Graça Aranha, apontado como precursor do Modernismo, Monteiro Lobato e Oswald de Andrade. Este era criticado principalmente por Mário: os dois tinham sido amigos, mas romperam no início dos anos 30 por motivos obscuros e nunca mais reataram. Mário de Andrade manteve um contato especial com a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) - enquanto ele era efusivo em suas linhas, ela era breve, estudada, seca até, em suas respostas. O curioso é a presença de um terceiro interlocutor, o correspondente "oculto" presente nas cartas: Oswald, na época casado com Tarsila. Assim, Mário aproveitou a correspondência com a amiga para passar recados ao escritor (ironicamente identificado como Tarsivaldo) que, acreditava, certamente lia as cartas recebidas pela mulher. Outra amizade epistolar de Mário da maior importância foi a mantida com o poeta Carlos Drummond de Andrade. O início da correspondência, durante a década de 20, foi decisivo na formação literária de ambos. Na época, Mário já era um escritor respeitado, principalmente por ter participado da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Drummond, por outro lado, iniciava-se como escritor e aceitava de bom grado todas as dicas oferecidas pelo amigo. No final da década, porém, quando já se sentia mais confiante, o poeta assumiu uma posição autônoma e crítica, mantendo um diálogo de igualdade com Mário. "Se ainda vivo, é bem provável que Mário passasse horas em frente do computador enviando e-mails", acredita Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc SP, que coedita Pio & Mário, em seu texto de apresentação. A nova ferramenta de comunicação, aliás, é bem utilizada por alguns jovens escritores da atualidade. "Eu acho que essa troca segue acontecendo e com muito mais intensidade, pois com a internet o diálogo entre autores e leitores se tornou permanente e quase em tempo real", comenta Daniel Galera, autor de Cordilheira (Companhia das Letras). "No meu caso, converso o tempo todo com alguns colegas, principalmente via e-mail, stumble e twitter." O hábito é compartilhado por Ricardo Lísias, que escreveu Ana O. e Outras Novelas (Globo). Prestes a terminar o próximo romance, que sai em setembro pela Alfaguara, ele já mostrou esboços para algumas poucas pessoas de sua confiança. Lísias, no entanto, faz reservas, especialmente contra a proliferação de blogs. "Para mim, a internet tornou-se uma espécie de palco de ressentimentos." Já Alberto Mussa, autor de Meu Destino É Ser Onça (Record), dispensa a rede mundial. "Acho a interlocução fundamental."

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