Americanos frustram em Veneza

Excesso de produções dos EUA na competição é mais midiático que estético

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio e VENEZA
Atualização:

A sensação midiática do Lido foi a chegada da família Brad Pitt a Veneza, com o ator acompanhado da mulher Angelina Jolie e filhos. Mais ainda porque Pitt, irritado, não consentiu em tirar os óculos escuros, conforme exigiam os fotógrafos, e foi vaiado pelos paparazzi. Em festivais, essas cenas de estrelismo às vezes rendem mais discussões do que os filmes. Pitt está no longuíssimo The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford (2h35), de Andrew Dominik, uma das muitas produções americanas em concurso. A história, tantas vezes contada, é a do bandido mitológico, tido como Robin Hood do Oeste, agora vivido por Brad Pitt e assassinado por um fã confesso. Essa é uma espécie de síndrome que acompanha a idolatria, como no caso de John Lennon. O fato é que o filme não chega a empolgar. Tem seus bons momentos, mas repete o óbvio de uma história já sabida e faz parte da mitologia do faroeste. A outra produção americana apresentada foi a comédia The Darjeeling Limited, de Wes Anderson. Três irmãos, que não se falam, se reúnem para uma viagem de reconciliação pela Índia, onde vão encontrar a mãe. Um humor precário, que ora se quer inteligente ora assume o pastelão, torna muito árdua a travessia dos 91 minutos de projeção. Por esses exemplos se vêem as limitações da curadoria de Veneza este ano. Ao sobrecarregar a competição com filmes americanas, o diretor do festival, Marco Müller, dizia não ter culpa de que o melhor cinema estava sendo feito nos EUA e os filmes falariam por si. De fato, isso ocorre com Redacted, de Brian de Palma, e talvez com The Valley of Elah, de Paul Haggis. Mas a presença dos outros parece mais explicável pela pressão das majors americanas ou pela necessidade de atrair estrelas para a passarela, do que por motivos estéticos. Mais revigorante foi a exibição do francês La Graine et le Mulet, filme étnico de Abdellatif Kechiche. A história, ambientada numa cidade portuária próxima de Marselha, mostra um pai de família que perde o emprego nos estaleiros ao ficar velho e tenta se estabelecer por conta própria, montando um restaurante. Com seqüências às vezes filmadas em tempo real, Kechiche leva o espectador a uma imersão quase documental nessa comunidade. Um belíssimo filme, de interpretações espontâneas e pulso humanitário. Já em It''''s a Free World, Ken Loach, adota um título de evidente ironia, pois elege como tema a exploração de trabalhadores ilegais que chegam à Inglaterra em busca de oportunidade. No fim da sessão, alguém comentou: ''''Ele sempre faz o mesmo filme.'''' Conversa. A preocupação social pode ser a mesma. Os filmes são diferentes. Quando os europeus culpam os imigrantes ilegais por tudo de ruim que acontece, Loach, repõe as coisas em seus lugares e mostra a parte que cabe aos países desenvolvidos pelos desajustes sociais. A protagonista é uma inglesa, oprimida ela própria, que passa a explorar outros, mais fracos do que ela, pois, afinal, ''''tem filho para criar e precisa sobreviver''''. É assim: os peixes maiores comem os menores e aqueles um pouquinho mais fortes devoram os outros para não serem engolidos pelos de cima. Lógica do admirável mundo contemporâneo. Venezianas MESTRES: Claude Chabrol e Woody Allen, ambos fora de concurso, trouxeram dois belos filmes ao Lido. Tanto La Fille Coupé en Deux quanto Cassandra''''s Dream buscam um registro cirúrgico da natureza humana em situação criminal. Chabrol, mais uma vez, procura o tom da ironia. Allen retoma o universo da culpa dostoiewskiana, já presente em Crimes e Pecados. Ambos não poderiam ser mais diferentes: Allen anda soturno, cabisbaixo. Chabrol esbanja vitalidade, é freqüentador assíduo dos restaurantes e não perde ocasião para uma boa piada. BRIAN DE PALMA: O crítico italiano Paolo Mereghetti disse que, usando tanto o vídeo, o cinema estava virando escravo desse suporte. De Palma, que usa de forma abundante esse recurso em Redacted, respondeu: ''''É o contrário. A imagem cinematográfica escraviza as de vídeo por sua maior riqueza.'''' BRESSANE: Antes da apresentação oficial de Cleópatra, Júlio Bressane, ao lado de Alessandra Negrini, queixava-se de que a organização do festival não havia providenciado credenciais para o resto da sua equipe, que assim não poderia entrar no Palazzo del Cinema para acompanhar a projeção. Acha os europeus rígidos demais. Tem razão. PROBLEMAS: São muitos os problemas de organização da mostra. Há sessões que ficam lotadas antes da hora e os credenciados da imprensa não conseguem entrar. Não há banheiros para todos e alimentar-se é uma corrida de obstáculos. Veneza se expandiu e a infra-estrutura não acompanhou. Já foi lançado o projeto de novo complexo para o festival, para 2011. Mas ninguém ainda sabe de onde virá o dinheiro.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.