Almoço de confraternização

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Por Adriana Falcão
Atualização:

Último sábado do ano. O evento foi combinado com alguma antecedência e divulgado através de cartazetes estrategicamente espalhados pela empresa. Além do nome e endereço do restaurante, data, horário e outras informações práticas, um lembrete: "Não esqueça de sortear seu amigo oculto com dona Lourdinha!" Três anjinhos dourados no topo dos papéis brancos davam um certo ar de convite ao que mais parecia um comunicado. O chefe, como sempre, foi o primeiro a chegar. Está sentado na cabeceira da enorme mesa, composta de várias mesas agrupadas, ligeiramente incomodado com sua posição de destaque, mas mais incomodado ainda com sua figura solitária no meio do salão. Não pára de checar possíveis emails em seu celular multifuncional. Não pára de balançar as pernas. Não pára de olhar para a porta do estabelecimento. Não consegue controlar essa mania de controlar tudo, e isso lhe dá azia. Ou terá sido o couvert? Felizmente, dona Lourdinha, e seu perfume adocicado, adentram o recinto. Enquanto confere o número de lugares à mesa, ela reclama da floricultura "que mandou essas flores em estado de coma em vez dos lindos arranjos que apareciam nas fotos do site". Distribui, ao longo da mesa, pequenos embrulhos que contêm o brinde dos funcionários: mouse-pads com o logo da firma. Pergunta "onde eu me sento?", enquanto se senta na cadeira à direita do chefe. Comenta que vai sair dali cheirando a porco defumado, enquanto aceita uma lingüiça que o garçom lhe oferece. O pessoal do escritório vai chegando pouco a pouco na churrascaria. Ao verem seus brindes, todos demonstram uma grande surpresa, como se não tivessem, cada qual de seu jeito, colaborado com a criação, produção, pagamento e recebimento dos mesmos, na semana que passou. Ali, na vida real, desempenhando o papel de "pessoas", são muito diferentes daqueles de segunda a sexta, das 9 às 18 horas. Um arriscou uma bermuda, outro comprou uma camisa xadrez especialmente para a ocasião, a telefonista veio de chiffon de seda, a auxiliar de contabilidade optou por jeans e camiseta, mas está insegura com o figurino. A secretária, sem roupa de secretária, parece uma moça como qualquer outra. Hoje ela não é portadora de recados, relatórios ou afins, mas apenas de um pacote de presente. Coitada. Foi ela que sorteou o chefe no amigo oculto e essa é a terceira vez que essa tragédia aconteceu, em cinco anos de trabalho. - E aí, Gomes? - Viu o email que eu encaminhei pra você na terça? - Hoje não se fala em trabalho! E um silêncio se estabelece. Alguém, no intuito de salvar a situação, sugere que o Dedé demonstre sua habilidade para imitações. "Imita aí o Gomes pedindo pra sair mais cedo!" Dedé hesita, um coro o encoraja, "imita, imita!", ele se rende, mas a brincadeira surte menos efeito do que deveria. Dedé ficará desgostoso com sua performance pelo resto do dia. Aperitivos, rodízio, piadas, rodadas e mais rodadas de chopp, trocas de presentes, conversas banais. Retrospectivas do ano que está no fim. Projetos para o ano-novo. Um vai parar de fumar, outro vai emagrecer, outro vai largar a mulher, outro vai viajar... Muitos lugares permanecem vazios. O chefe comenta o fato, com certa irritação, mas dona Lourdinha logo se desculpa "bem que eu avisei que muita gente ia emendar o Natal com o fim de semana". Às cinco da tarde estão todos animados. Alguns estão até animados demais. Dona Lourdinha, após nove chopps, se sente mal e cambaleia até o banheiro. Vomita. O evento foi um sucesso. A embriaguez de dona Lourdinha servirá como inspiração para gracinhas até dezembro de 2009. O chefe entrega seu cartão de crédito para o garçom que lhe traz a conta, e sorri ao ver todos ali, como uma verdadeira família, confraternizando-se uns com os outros.

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