Ainda dá para acreditar em Arquivo X

O segundo filme da série faz indagações interessantes e transforma o fantástico da TV em terror pós-Albergue e pós-Seven

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Por Crítica Luiz Carlos Merten
Atualização:

Agora que todo mundo já falou mal de Arquivo X - Eu Quero Acreditar, talvez seja a hora de lançar um outro olhar sobre o filme que estreou na sexta-feira e descobrir o que a nova investida do roteirista - e, desta vez, também diretor - Chris Carter pela saga dos agentes Fox Mulder e Dana Scully pode ter de interessante, e tem. Há exatamente dez anos, o primeiro filme, dirigido por Rob Bowman, foi um fiasco de público e crítica, decepcionando fãs de carteirinha e não atraindo novos espectadores para a mitologia da série, baseada na questão dos alienígenas. Em sucessivas entrevistas que você encontra na internet, o próprio Carter diz que foi bom poder desvincular o filme da obrigação de dar seqüência à série. Seu objetivo foi atualizar os personagens, mostrando que Mulder e Scully ainda têm o que dizer nos dias de hoje. E mais - tecer uma trama que tem menos a ver com ataques ou intervenções de extraterrestres do que com os abismos e labirintos da mente e da alma humanas. Talvez uma segunda citação ao advérbio que indica possibilidade ou dúvida seja excessiva, mas será só uma forma de dizer que é bom deixar para ler o texto depois. Assim, o espectador pode ver o filme livre de influências e desfrutar as surpresas que a trama lhe reserva. O próprio Chris Carter, mesmo falando muito sobre Eu Quero Acreditar, guarda sigilo sobre o enredo, preferindo destacar os novos velhos dilemas de Mulder e Scully e a complexidade do relacionamento entre eles. Na abertura do novo filme, uma agente do FBI desaparece, mas não se trata de uma abdução - deixe os ETs fora dessa - e sim, de um seqüestro. E não um seqüestro qualquer, desses pelos quais os criminosos pedem um resgate em dinheiro. O motivo atira aqui atira o fantástico de Arquivo X para o território do terror, pós Seven e pós-Albergue. Existem dois elementos na trama - o desaparecimento da agente e a intervenção de um padre sensitivo, desses que possuem poderes sobrenaturais. É ele quem conduz as investigações da polícia, estabelecendo um elo com a lady que, como diria Alfred Hitchcock, ''vanished'' (desapareceu). Mas a coisa não é tão simples e o padre é pedófilo como o assustado, frágil e, finalmente, extraordinário personagem do molestador que se automutila em Pecados Íntimos, de Todd Field. Mulder tenta acreditar nele, Scully o rejeita imediatamente, mas num determinado momento será ela a pedir a ajuda do padre. Os dois têm um diálogo forte. Scully emite um julgamento moral sobre ele. O ex-padre defende-se acusando Deus. A aberração do seu desejo é um tormento humano que o silêncio de Deus, como diria Ingmar Bergman, não atenua em nada. Uma agente desaparecida e um ex-padre pedófilo. A descrença do FBI e a fratura do mundo pós-comunista, mais a dupla de heróis - Mulder vive recluso, Scully é médica e, neste momento, tem de lidar com o caso terminal de um garoto que sofre de uma doença rara. Para uma mãe que perdeu o próprio filho, o garoto deixa de ser simplesmente um paciente e vira um motivo de tormento, diferente - mas nem tanto - dos inconfessáveis desejos que consomem o ex-padre. Para ''contextualizar'', pode-se acrescentar que a trama lida com transplantes ilegais de órgãos e até mudança de sexo. O padre e a heroína divididos - pelo desejo, pela moral - têm tudo a ver com corpos dissecados e fragmentados. E existem cães - do inferno - que representam nisso tudo a erupção do instinto. No limite, é um filme sobre o conflito entre a barbárie e a civilização. Os críticos gostam de dizer que Arquivo X foi pioneiro de Lost com suas tramas que o público adorava não entender. A série, basicamente, lidava com teorias conspiratórias. Eu Quero Acreditar, como o título indica, trata dos dilemas de consciência. Arquivo X foi ao ar entre 1993 e 2002. Carter, que a criou, disse que ela se tornou inviável após o 11 de Setembro, mas não foi somente o medo de ir contra o governo ou parecer subversivo que levou ao arquivamento. David Duchovny se desligou da série para tentar virar astro de cinema - não conseguiu. Entrou em seu lugar Robert Patrick, de O Exterminador do Futuro 2, na pele de outro agente. A química com Gillian Anderson, que sempre fez Scully, não funcionou e a série perdeu prestígio. É outro aspecto curioso. A volta do personagem querendo acreditar é um pouco a de Duchovny, uma frase enigmática do ex-padre revela-se decisiva e se pode constatar também que Gillian é excelente atriz, melhor do que o colega, mas isso, francamente, Terence Davies já provara em A Essência da Paixão (The House of Mirth), quando fez dela uma ambivalente heroína de Edith Wharton. Serviço Arquivo X: Eu Quero Acreditar (The X-Files: I Want To Believe, EUA-Canadá/2008, 108 min.) - Suspense. Dir. Chris Carter. 12 anos. Cotação: Bom

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