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Água, essencial também na cozinha

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Por Redação
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Na terra onde a farinha é rainha e os pratos com carne-seca são reis, os caldinhos e os ensopados, mais líquidos, figuram como deliciosos e populares hereges no reinado da seca culinária nordestina. Acrescente água ao quarteto fantástico formado por tomate, cebola, coentro e pimentão, base de todos os temperos, e coloque algum outro ingrediente para dar sabor - do feijão aos peixes e crustáceos -, e está pronta mais uma instituição da comida regional. Resta só dar o arremate com a pimenta. Como tira-gosto, acompanhamento para a cachaça ou refeição principal, os "pratos líquidos" roubaram a cena nos restaurantes e se tornaram atrações imperdíveis. Não dá para voltar do Nordeste sem ter provado um pouco dessas delícias. As variações de sabores são pequenas entre os Estados, mas ficam claras quando a separação é feita entre costa, agreste e recôncavo baiano. "No litoral são comuns os peixes e os frutos do mar. No sertão, feijões, favas e ingredientes secos. No recôncavo, as receitas são mais apimentadas", explica Rodrigo Oliveira, chef do restaurante Mocotó, em São Paulo. ORGULHO De todos os pratos "líquidos", o caldinho é o mais disseminado, passeando dos cardápios de botecos aos de restaurantes sofisticados. O sucesso é explicado por sua versatilidade: "Ele pode ser tomado à beira da praia, um alento para a fome enquanto se espera a refeição, ou como prato único", conta Oliveira. A dupla caldinho e cachaça é inseparável para o antropólogo Raul Lody, autor do livro Brasil Bom de Boca, que apresenta um panorama sobre a culinária brasileira. "O caldinho acompanha a bebida e cria um ambiente gastronômico. E tem de ser cachaça branca, a mais básica e o contraponto ideal", indica. No máximo, substitui-se o aguardente pela cerveja - mais do que isso é pecado. O mais clássico caldinho de boteco é o de feijão, batido no liquidificador e enriquecido com condimentos típicos da feijoada - ou nem tão típicos assim. A criatividade gastronômica local acrescentou o ovo de codorna, o charque, a azeitona ou o torresmo - às vezes juntos. Na costa, cabeças de peixes e crustáceos são os caldos mais comuns. Costumam ser oferecidos nos restaurantes como cortesia para abrir o apetite - em doses pequenas, para não matar de vez a fome. Os caldinhos de frutos do mar, mais aguados, variam de acordo com o crustáceo típico da região. O sururu, por exemplo, é um clássico na Bahia e em Alagoas. No recôncavo, é popular o caldo de um molusco conhecido como lambreta. No sertão, os de mocotó são o hit. A chef Mara Sales, do restaurante paulistano Tordesilhas, lembra de outro prato que faz sucesso no agreste paraibano: a sopa de cabeça de galo. Sem levar a parte da ave que dá nome à sopa, conta com ingredientes capazes de recuperar qualquer baladeiro (leia mais ao lado). PRONTO PARA OUTRA Não é por acaso que os caldinhos levam a fama de poderosos revigorantes. "Como são líquidos, o pessoal o engrossa com farinha, ovo e uma série de coisas com efeito restaurador. As vendas devem aumentar muito de madrugada", diverte-se Mara. Os baianos têm outras formas para recarregar as energias. Servidos no café da manhã, os mingaus doces são comuns na área do recôncavo. Os sabores mais apreciados são de tapioca e de milho, seja o vermelho ou o branco, chamado de munguzá. Mas nada se compara ao poder estimulante da garapa (o caldo-de-cana). É da cana-de-açúcar que sai também o exótico refresco aluá, uma mistura de água com rapadura e milho vermelho cru. QUE FRUTA É ESSA? De refrescos exóticos, aliás, o Nordeste está cheio. Culpa das frutas típicas, que rendem uma variedade impressionante de sucos, caipirinhas e caipiroscas - e atendem por nomes como umbu, serigüela, mangaba, biribiri, mangostim, cajarana... Só no restaurante baiano Paraíso Tropical, são 25 sabores de um "suco-sorvete", todos de frutas que o próprio chef Beto Pimentel cultiva. Se o tema é a culinária um pouco mais sólida, as moquecas são o que o Nordeste tem de mais típico. Diferentes do prato capixaba, feito com azeite de oliva, as baianas levam azeite de dendê. Em outros Estados, podem ou não ter o tempero. O que muda é o ingrediente principal: camarão, peixe, polvo, lula ou tudo junto. A denominação também varia - pode ser peixada ou caldeirada. Com cebola, tomate, pimentão e muito, mas muito coentro. E, claro, uma pimentinha para arrematar. Afinal, se fosse preciso escolher um líquido com a cara da culinária nordestina, que passeasse por todos os pratos salgados, o eleito sem contestação seria o molho de pimenta. Paraíba Canyon de Coqueirinho: (0--83) 9301-1990 e (0--83) 9134-1414 Recife-PE O Buraquinho: (0--81) 3224-6431 Boteco Maxime:(0--81) 3465-1491 Restaurante Leite:(0--81) 3224-7977 Bahia Paraíso Tropical: (0--71) 3384-7464 Sergipe Cariri: (0--79) 3243-1379 A DIETA VAI TER DE ESPERAR SUCOS Pergunte a qualquer chef qual o melhor lugar para tomar um bom suco no Nordeste e muito provavelmente você ouvirá a mesma resposta: Paraíso Tropical, na Bahia. Que predicados garantiram essa unanimidade? Primeiro, a variedade de sabores: são 25, de frutas tão exóticas como o biribiri, o mangostim e a cajarana. Segundo, elas são cultivadas pelo restaurante, sob os olhares atentos do criativo chef Beto Pimentel. Há em seu pomar quase 35 mil árvores e 137 tipos de frutas. Mas o que realmente torna o suco uma experiência única é a forma de servir: com a consistência quase de sorvete. Segundo Joelma dos Santos Silva, mulher de Beto, a bebida não leva açúcar ou água. É suco puro, tipo frozen, para tomar de colher - pelo menos a primeira metade, até que a água da fruta congelada derreta. Aproveite para saborear algumas das invenções do chef, que transforma pratos típicos em refeições peculiares pelo uso de frutas e temperos de sua horta. Uma moqueca, por exemplo, leva capim-santo, coentro da Índia e folhas de laranja, tangerina, lima e pitanga como tempero, acrescidos de caldo de cacau, polpa de achachairu e de coco verde, dendê, alho, gengibre e frutas para decorar. No meio de tudo, peixe, camarão, lagosta ou siri. Os caldos também são exóticos. A propaganda fica por conta de Beto: "Caldo fino, que faz velho virar menino." Precisa dizer mais? SOPAS O nome sopa de cabeça de galo assusta. Mas fique tranqüilo. Não há cabeça nenhuma no prato - ainda bem. Se houvesse, a sopinha não seria tão popular na Paraíba. Leva caldo de galinha (industrializado mesmo), os temperos básicos nordestinos (cebola, tomate e coentro), farinha para engrossar e um ovo cozido no meio do prato. A receita, embora mais líquida, tem a cara do sertão, que abusa de pratos com aves (galinha à cabidela é um hit), cabritos e carne-seca. CALDINHOS Não estranhe se um dia estiver em um restaurante no Nordeste, acima de qualquer suspeita, e ouvir seu vizinho de mesa gritar: "Ei, garçom, traz o Viagra!" Antes que você pense em pedir a conta, acreditando que errou de estabelecimento, espere o garçom voltar com o pedido. Em vez de um comprimido azul, o funcionário estará carregando uma xícara com caldinho. Se a cena descrita se passar no tradicionalíssimo restaurante Leite, que há 126 anos abriu suas portas no Recife, o mais provável é que o tira-gosto seja o famoso caldinho de peixe - indicado pelo antropólogo Raul Lody, especialista na culinária nordestina, como um dos melhores da região. "Os clientes dizem que substitui o Viagra. E funciona", conta o dono restaurante, Armênio Ferreira Diogo. Efeitos posteriores à parte, fato é que ele faz sucesso por causa do tempero do chef Edmilson Araújo, o Bigode, e de sua paciência em ficar preparando o prato por duas horas. Ele explica o processo: "Cozinho a cabeça do peixe com tempero para fazer o consomê. Em outra panela, refogo cebola, alho e pimentão no azeite até dourar; jogo farinha de trigo e mexo até ficar torradinha. Depois, ponho o consomê de peixe até ficar na grossura certa. Coloco pimenta-do-reino branca, coentro e sal. É só coar e servir." O resultado é um creme diferente, nada aguado. Além do Leite, Lody recomenda outros locais: O Buraquinho, restaurante-boteco que serve caldinho de feijão rajadinho como cortesia no almoço, e o Boteco Maxime. MOQUECAS Antes de pedir um dos pratos mais tradicionais no Nordeste, é bom se informar: a moqueca é capixaba, baiana ou híbrida? Há quem diga que, se não for capixaba, não é moqueca e sim peixada ou caldeirada. O prato indígena (moquém) nasceu como um assado de peixe com urucum. Espanhóis e portugueses trouxeram a panela de barro e a cebola e o coentro para seu preparo. A versão capixaba acabou sendo mais fiel às raízes indígenas. A baiana, por influência africana, ganhou leite de coco, azeite de dendê e muita pimenta. Se estiver no Recife, experimente a receita de Dona Dora, no restaurante Buraquinho (dica do antropólogo Raul Lody). Na Paraíba, o Canyon de Coqueirinho serve outra boa moqueca, segundo a chef Mara Sales. Em Sergipe, vá ao restaurante Cariri, que faz uma híbrida - sem dendê, se o cliente preferir. Na Bahia, a indicação do chef Rodrigo Oliveira é o Paraíso Tropical. RECEITA O chef Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, em São Paulo, ensina como preparar um prato que é a cara do Nordeste. A receita é uma adaptação do prato tradicional Mocofava, que é feito da combinação do Mocotó com a Favada, preparados separadamente: Ingredientes: 1 pé de boi (mocotó) 1 kg de fava 500 g de carne-seca dessalgada 300 g de lingüiça calabresa 200 g de bacon 1 limão 1 cebola 3 tomates 1 pimentão 2 dentes de alho Manteiga de garrafa para refogar Semente de coentro Cominho e colorau Cebolinha verde e coentro Sal e pimenta a gosto Modo de preparo: 1.º - Cozinhe a fava com o bacon até que fique macia 2.º - Lave bem o pé de boi, leve à panela de pressão e cozinhe por aproximadamente 50 minutos ou até a carne começar a desprender dos ossos. Corte os pedaços maiores de carne e junte ao caldo, descartando os ossos. Junte tudo à fava 3.º - Cozinhe a carne-seca e a lingüiça separadamente até ficarem bem macias. Corte em cubos e adicione à fava 4.º - Refogue na manteiga de garrafa o alho, os tomates, a cebola e o pimentão, tudo bem picadinho, e junte ao caldo 5.º - Tempere e deixe ferver por cerca de 15 minutos. Se precisar encorpar o caldo, bata um pouco da fava no liquidificador. Use bastante cheiro verde e sirva com pimenta e limão à parte Rende: de 10 a 12 porções

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