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A virada da José Olympio

Autores brasileiros lançados pela histórica editora voltam a ser publicados em novas coleções, ao lado de estrangeiros há muitos anos fora de catálogo

Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Ela começou como uma editora de auto-ajuda, em 1931, publicando um livro americano que prometia o conhecimento por meio da auto-análise. Transformou-se mais tarde na casa que abrigou alguns dos maiores autores brasileiros do século 20, entre eles José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Rachel de Queiroz. Hoje um braço do grupo Record, a editora José Olympio revive os bons tempos com uma diretora que segue os passos de seu fundador, a jornalista Maria Amélia Mello, veterana da área editorial que trabalhou ao lado de um mito do mercado livreiro, Ênio Silveira (1925-1996), responsável, nos anos 1950, pela mudança de perfil da editora Civilização Brasileira, hoje também incorporada ao grupo Record. Em nova fase, a José Olympio traz de volta para casa autores e títulos fora de catálogo, passando este ano a reeditar a obra completa de alguns de seus maiores escritores. O relançamento mais recente é o delicioso livro do advogado, jornalista e acadêmico fluminense José Cândido de Carvalho (1914-1989), O Coronel e o Lobisomem, retrato bem-humorado de um Brasil patriarcal construído com lendas do folclore da zona açucareira do norte fluminense. Outros grandes autores vão fazer companhia a Cândido de Carvalho na estante das obras completas da José Olympio: Aníbal Machado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. Além de colocar novamente nas livrarias obras que estão fora de catálogo, a editora Maria Amélia, desde 2002 no grupo Record, criou há um ano a coleção Sabor Literário, que alimenta o mercado com textos inéditos ou inusitados: Thoreau, Virginia Woolf e João do Rio abriram uma lista imensa que este ano cresce com livros de Elias Canetti, Alice Walker e Hermann Hesse. Não satisfeita, a editora foi atrás das obras de grandes escritores norte-americanos hoje injustamente esquecidos, como Arthur Miller, Lillian Hellman e Carson McCullers, procurando ainda seus possíveis sucessores (leia nesta página textos sobre eles). Selecionou alguns candidatos, entre eles Arthur Phillips, autor de 39 anos educado em Harvard que fez um enorme sucesso com Praga, publicado aqui em tradução da mesma José Olympio, que lança este ano O Egiptólogo, seu penúltimo romance (o último é Angélica, publicado em abril do ano passado nos EUA). Por fidelidade à linha original da editora, os autores nacionais são privilegiados nesta retomada, a começar pelo poeta Manuel Bandeira, que ganha ainda este mês a antologia Belo Belo e Outros Poemas, edição ilustrada destinada a atrair leitores jovens para a obra do poeta recifense. Além de ter abrigado os maiores nomes do regionalismo nordestino, a José Olympio abriu espaço para a poesia moderna de Drummond e contemporâneos. Fiel a esse espírito pioneiro, a editora publica este ano o novo livro do poeta maranhense Ferreira Gullar (ainda sem título), relançando ainda Muitas Vozes (1999). E, para a geração que não conheceu os poetas dos anos 1960 a 1980, reservou uma antologia poética preparada pelo professor Italo Moriconi com poemas de Ana Cristina César, Leminski, Torquato Neto e Wally Salomão, quase todos mortos ainda jovens. Essa volta ao passado não significa retromania nem nostalgia. A editora Maria Amélia, assídua freqüentadora dos sebos cariocas, se diz impressionada com o número de títulos que evaporam sem deixar vestígios no mercado editorial. E, num "trabalho de ourives", garimpou alguns deles, colocando o Brasil para repensar sua história. Começa já este mês com a publicação de uma obra fundamental sobre a formação das elites na sociedade colonial brasileira: O Teatro dos Vícios, do sergipano Emanuel Araújo. É um grande livro, publicado há 15 anos e escrito por um pesquisador morto há oito anos e um tanto esquecido pelos editores. Outro autor dedicado à história do Brasil lembrado este ano é o fluminense João Felício dos Santos, que tem algumas de suas biografias históricas relançadas pela José Olympio. O cineasta Cacá Diegues, que o dirigiu em Xica da Silva, baseado em seu livro, não cansa de exaltar as qualidades de ficcionista do escritor, cujas biografias de Carlota Joaquina, Mestre Athayde, Calabar e Anita Garibaldi voltam às estantes numa iniciativa da editora. O dramaturgo, romancista, poeta e pintor paraibano Ariano Suassuna, que completou 80 anos em 2007, ganha de presente ainda neste primeiro semestre uma seleção de suas crônicas publicadas em jornais desde 1961, Almanaque Armorial. Por falar em 80 anos, o modernista Raul Bopp (1898-1984) tem nova edição de seu poema Cobra Norato no ano em que se comemoram oito décadas do Manifesto Antropofágico escrito por Oswald de Andrade. E, para não esquecer o centenário de morte de Machado de Assis, o escritor será lembrado na nova edição do estudo crítico e biográfico do modernista gaúcho Augusto Meyer, de 1935. Veteranos redescobertos Poucos editores se interessariam por uma história em que uma garota judia, não particularmente bonita, casa com um comunista e dele se divorcia para viver uma vida independente quando o marido traído volta da guerra, mesmo que essa história tenha sido escrita por um dos maiores dramaturgos norte-americanos, Arthur Miller (1915-2005). O livro, Plain Girl (traduzido como Feia de Rosto), é uma das pérolas da coleção Sabor Literário e traduz a intenção de resgatar do limbo editorial títulos que outros editores considerariam veneno de livraria. Miller vai juntar-se a outra grande autora do teatro americano, Lillian Hellman (1905-1984), nessa coleção de pequenos grandes livros com um discreto projeto gráfico identificado por uma cerejinha. Primeira mulher a ser indicada para o Oscar de melhor roteirista, Hellman foi perseguida pelo comitê de atividades antiamericanas em 1952 e amargou um longo período de ostracismo, sendo colocada na lista negra a exemplo de Miller, ambos denunciados pelo cineasta Elia Kazan. Dela, a editora Maria Amélia Mello resgatou a peça The Little Foxes, de 1939, crítica corrosiva de Hellman à ambição americana na figura de uma mulher em busca de dinheiro e poder. O caso de Lillian Hellman mostra como a editora persegue obsessivamente suas metas. Ela não conseguia encontrar a tradução da peça por Clarice Lispector (e Tati de Moraes), pois o título brasileiro (Os Corruptos) em nada correspondia ao original. Finalmente, conseguiu localizá-la e ela sai no primeiro semestre, trazendo na esteira Carson McCullers (1917-1967). Dela a José Olympio relança A Balada do Café Triste, romance de 1951 sobre um desequilibrado triângulo amoroso. E a lista de veteranos não fica por aí. A editora já recuperou a obra de John Fante e ataca brevemente na Europa, trazendo de lá um conto autobiográfico do escritor suíço-alemão Herman Hesse, A Infância do Mago. Novas apostas Como reconhecer um autor novo capaz de fazer uma carreira literária respeitável é um talento para poucos editores. Mas, desde que o norte-americano Arthur Phillips estreou em 2002 com sua ambiciosa novela Praga, a atenção da editora Maria Amélia Mello voltou-se para ele (que completa 39 anos em abril) e outros nomes de sua geração, como Jon Fasman. No mesmo ano em que Phillips estreava, Fasman se mudava para Moscou e começava a preparar o ambicioso primeiro livro The Geographer?s Library (A Biblioteca do Geógrafo), lançado nos EUA em 2005. O que ambos têm em comum é a imaginação delirante. Phillips, em O Egiptólogo, ambienta seu livro no Egito dos anos 1920, cruzando a história de um obscuro arqueólogo e um faraó visionário, no melhor estilo Umberto Eco. Fasman é um Dan Brown intelectualizado, que combina histórias de detetive com filosofia. O livro de Fasman, A Biblioteca do Geógrafo, foi descrito pela crítica americana como uma coleção de histórias interligadas dentro do gênero ?arcane thriller? - em que um acadêmico tenta desvendar mistérios de sociedades secretas . Pertenceria, enfim, à estirpe de O Código Da Vinci e outros best sellers, como A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafon, não fosse Fasman um erudito ainda mais ambicioso. No terreno da erudição, o troféu ainda fica com Edward P. Jones, afro-americano de 57 anos, autor de The Known World (O Mundo Conhecido) e ganhador do Pulitzer (2004) de ficção por esse segundo livro que coloca senhores de escravos e escravos (brancos e negros) em conflito. Um deles, Moses, come sujeira para que seu alimento seja compatível com a vida que leva. Outra aposta da editora é a vietnamita Monique Truong, de 39 anos, que mora nos EUA desde 1975 e é autora do premiado O Livro do Sal, que será lançado ainda este ano. O livro conta a história (inventada) do cozinheiro de Gertrude Stein e Alice B. Toklas, sem destino quando suas patroas voltam para os EUA. E a José Olympio garante que não pára por aí. Novas surpresas aguardam os leitores.

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