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A vinda do Messias em trama com violência e religião

Em Associação Judaica de Polícia, Michael Chabon põe em foco detetive que considera o mundo um mar de pecados

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Por Ubiratan Brasil
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O americano Michael Chabon circula com facilidade nos meios cinematográficos - seu livro Garotos Incríveis (Record) foi adaptado para o cinema por Curtis Hanson. Chabon também foi convidado pelo diretor Sam Raimi para dar palpites no roteiro de Homem Aranha 2 - esperto, Raimi queria um argumento inteligente e que permitisse uma liberdade de voo maior. Finalmente, outro de seus romances, As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay (Record), está em pós-produção, quase pronto para chegar à tela grande, com a direção de Stephen Daldry, o mesmo de O Leitor. "Mesmo assim, o cinema é, para mim, apenas uma importante fonte de renda", disse o escritor, em entrevista por e-mail ao Estado. Um ganho do qual ele não pretende abrir mão tão cedo - afinal, um de seus mais recentes romances, Associação Judaica de Polícia, lançado agora pela Companhia das Letras (tradução de Luiz A. de Araújo, 471 páginas, R$ 58), já teve os direitos comprados pelos irmãos Joel e Ethan Coen. Acostumados a um humor corrosivo, os Coen certamente terão a chance de realizar outro grande filme. Associação Judaica de Polícia é resultado de um minucioso trabalho de Chabon que, como nos demais livros, parte de uma trama bem elaborada para questionar, entre outros assuntos, a condição de ser judeu. A trama se passa no fictício território de Sitka, no litoral do Alasca, para onde os judeus foram enviados a partir de 1948, quando uma coalizão muçulmana destruiu o recém-criado Estado de Israel. Em 2007, às vésperas do encerramento do acordo de cessão (no ano seguinte, os Estados Unidos pretendem retomar o território), Sitka transformou-se em um ambiente de tensão e incertezas - propício, aliás, para a ação de mafiosos e gangues. É ali que trabalha o detetive de polícia Meyer Landsman, versão judaica de Sam Spade e Philip Marlowe (geniais criações de Dashiell Hammett e Raymond Chandler), deles herdando o humor ferino e o ceticismo em relação à sociedade, que acredita ser um mar de pecados, corrupção e perversão. Morando em um hotel onde acontece um crime, Landsman percebe que um caso aparentemente banal (o assassinato de um jovem judeu) encobre uma intrincada trama que envolve a máfia judaica, a crença no advento do Messias e um possível plano para retomar à força a Terra Santa. Em uma verdadeira corrida contra o tempo - afinal, os americanos já afiam as garras para retomar o poder, significando que o detetive perderá seus parcos poderes -, Landsman abusa da truculência e da inteligência para desvendar o caso. É o suficiente para Chabon utilizar jogos de palavra com o iídiche (há um glossário no final do livro) e criar uma ficção ao mesmo tempo engraçada e envolvente. Sua imaginação é incrível - como conseguiu criar um mundo com tantos detalhes como o território de Sitka? Agradeço sua gentileza. Inicialmente, surge uma imagem irresistível, tão vívida como vaga, ainda abundante de erros e fendas. Em seguida, inicio a pesquisa a fim de preencher essas fendas, corrigir os erros e dar contornos mais definitivos. E, finalmente, volta aquela imagem inicial à minha mente, agora pronta para adquirir uma residência interior tanto em mim como (espero) nos leitores. Por que seu interesse em formatos considerados, talvez, menos literários? Você quer dizer ficção científica, novelas policiais, quadrinhos, etc.? Bem, tudo isso está em meu sangue, em meus genes, são minhas moléculas de oxigênio! Aliás, "literatura" não tem significado fixo fora de aspas. No romance, Meyer Landsman é constantemente confrontado, de uma forma imperativa, pelo fato de ser judeu. Isso aconteceu também com você? Claro, ainda que, graças a Deus, nunca de uma forma tão dramática ou mesmo trágica. Mas, para dar um exemplo, lembro de meus dois filhos. Chegou um momento, oito dias depois de seu nascimento, como reza a tradição - e por nenhuma outra imperiosa razão que desperte minha atenção - que eles deveriam ser circuncidados. Corte. Lesados, embora com um pequeno corte e, espero, de uma maneira insignificante. Nesse momento, a questão do que significa ser judeu paira ameaçadoramente sobre nossas cabeças. Seu trabalho congrega música, cinema, quadrinho, arquitetura, moda. Seria isso parte de um projeto particular? Seria característico de pessoas com idade semelhante à sua, ou seja, 45 anos? Não seria esse o perfil básico de um escritor. Ao menos, foi assim que aprendi com autores como Flaubert, Proust, Chandler, Fitzgerald... Recentemente, os cinemas exibiram o filme Foi Apenas um Sonho, baseado no romance de Richard Yates, que você sempre elogiou muito. Gostou também da versão feita para o cinema, por Sam Mendes? Infelizmente, não a vi. Mas gosto demais do livro, de fato. A novela, em sua forma sombria e desoladora, tem passagens verdadeiramente surpreendentes e engraçadas. Ouvi dizer que o filme não é tão engraçado assim. Aliás, falando em cinema, você ainda se sente atraído a escrever roteiros? Eu faço por dinheiro, que me permite pagar o seguro de saúde a que tenho direito graças ao Sindicato dos Roteiristas. Assim, a resposta é: "Sim, eu me sinto muito atraído." Muito se falou sobre as cruciais mudanças sofridas no mundo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York. Em relação à literatura, foi também um marco decisivo? Duvido. Acredito que apenas algumas obras - romances, poemas, filmes - podem ser considerados marcantes na literatura. Qual sua maior ambição quando escreve um romance? Nada demais: escrever mil palavras por dia durante três anos - mas com os fins de semana de folga... Quem você vê em vantagem no mundo atual: aqueles que usam as palavras para destruir ou os agitadores da palavra? Como sempre, ninguém vence - a não ser Madame Morte.

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