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A verdade das fotos em recortes do cotidiano

Em Madri, Cuenca e Lisboa, a 12.ª edição do Photoespaña oferece 74 atrações

Por Camila Molina e MADRI
Atualização:

É possível amarrar um bom festival de fotografia tendo como mote um tema tão simples como o cotidiano? Sérgio Mah, curador-geral desta edição do Photoespaña, que ocorre até 26 de julho em Madri e Cuenca, na Espanha, e ainda em Lisboa, Portugal, defende que sim: os sentidos da vida diária são assunto acessível e coerente com nossa época. "No cinema, há um retorno ao documental e com a internet somos nós mesmos, hoje, objeto de reprodução, onde colocamos todos os acontecimentos banais de nossas vidas", diz Mah, de 39 anos, fazendo a relação de sua ideia com os princípios de fotografia, ou seja, que ela é recorte da realidade propagado para o mundo e para diversos olhares. Mas é claro que para se fazer um festival de destaque era preciso ampliar o tema e sendo assim a programação do Photoespaña 09 oferece uma série de exposições interessantes e de peso. Se for só para citar algumas das atrações de Madri, basta dizer que na Fundação Telefonica está abrigada a mostra de puro ineditismo Fotografias Pintadas do pintor alemão Gerard Richter (leia mais nesta página). Ou que o Museo Coleciones ICO apresenta conjunto de obras fortes da fotojornalista americana Dorothea Lange (1895- 1965) sobre o impacto da depressão americana nas décadas de 1930 e 40. Mais ainda, ressaltar que Anos 70, no Teatro Fernán Gómez/Centro de Arte, reúne criações de artistas/fotógrafos como Claudia Andujar, tão reverenciada no Brasil e, ainda, Alberto García-Alix, David Goldblatt, Victor Kolár, Gabriele & Helmut Nothehelfer, Eugene Richards e Hans-Peter Feldmann. E na sala do BBVA (Banco Bilbao Viscaya) há uma bela mostra do italiano Ugo Mulas (1928-1973), famoso pelos retratos que fez de personalidades da arte como Alexander Calder, Lucio Fontana e Marcel Duchamp e ainda de todo o círculo da pop art americana na década de 1960. Outros destaques, ainda, são as individuais do fotógrafo brasileiro Mauro Restiffe na Casa de Américas; do ucraniano Sergey Bratkov no Canal Isabel II; a de Sara Ramo (espanhola que viveu no Brasil e tem ligação com o País) no Jardim Botânico; a pequena retrospectiva do francês Patrick Faigenbaum no Círculo de Bellas Artes. Ainda está por abrir, na Sala Alcalá 31, a exposição da americana Annie Leibovitz, com trabalhos e dados de sua vida pessoal. As citações poderiam continuar, mas este é um exercício difícil, já que ao todo 74 atrações fazem o corpo do festival (entre seleção oficial, off - da qual participa o brasileiro Albano Afonso - e oficinas), agora em sua 12ª edição. Como todo grande evento, há altos e baixos, mas é certo que se trata de oportunidade de apresentar importantes exemplares da produção fotográfica. E uma característica que ainda vale ressaltar é a de que a programação do Photoespaña ocupa salas e instituições que nem sempre são as highlights de Madri, uma forma de expandir ainda mais o seu espectro. SIMPLICIDADE DE GESTOS Voltando ao tema do cotidiano, vamos regredir ao contexto da coletiva Anos 70 - Fotografia e Vida Cotidiana, já que ela é uma das mostras-chave deste Photoespaña 09. Quando o curador Sérgio Mah começou a conceber seu projeto, questionou qual seria a década que mais se aproximava, dentro do campo da fotografia, do terreno da "simplicidade dos gestos", já que é esta uma temática recorrente nos trabalhos fotográficos e artísticos atuais. "Nas imagens dos anos 70, parece que nada acontece, que não há momentos extraordinários", afirma ele, que, ao lado do inglês Paul Wombell, selecionou obras de 23 criadores para formar a exposição. O mote curioso é o de que apesar de a década de 1970 ser marcada por "transformações e reflexões sociais", a imagem daquele período examinou também as mudanças a partir da "banalidade" do dia a dia dentro de uma rede complexa com viés conceitual. "Os artistas viram que qualquer coisa poderia ser fotografada", resume Wombell. Mas a simplicidade pode ser apenas aparente: jogar luz ao corriqueiro pode fazer abrir janelas para diversos sentidos. Uma delas, a de que os fotógrafos estabeleceram uma nova relação com os espaços públicos - e é interessante ver, afirma Wombell, como as pessoas respondiam espontaneamente à câmera. O espanhol Alberto García-Alix, nome de destaque da fotografia em seu país e presente na mostra, acredita que a razão simples de fotografar era "sonhar a fotografia". "Nos anos 70 e 80, as ideias funcionavam no ar e os valores eram da juventude", diz ele. Dessas pulsões foram feitos tantos de seus belos e melancólicos retratos, na maioria, de seus amigos (muitos do underground), que nos revelam um olhar de proximidade e de afeto, além de um comentário político. "Nos anos 90 acabaram as ideologias e também cresceu o mercado. Hoje, rio de tantas contradições", continua García-Alix. Na linha da simplicidade dos gestos, a francesa Sophie Calle comparece com a série Os Dormentes, de 1979, instalação formada por fotos e textos resultantes de uma de suas simples e desconcertantes propostas: a artista pediu que amigos, desconhecidos e a sua mãe dormissem em sua cama e que se deixassem ser clicados por ela. A experiência trivial, dormir numa cama, entra nesse trabalho no terreno do público e do privado. Ao mesmo tempo, a dupla alemã Gabriele e Helmut Nothhelfer retrata pessoas em espaços públicos de Berlim, mas, ao se chegar mais perto, percebe-se numa mesma cena um retratado que olha para a câmera e outro que não, absorto em pensamentos - é um registro de duplo momentâneo que condiz com a ideia de presença e não presença. Já Claudia Andujar, representada com a série Rua Direita, de 1970, é das únicas a usar o colorido nessa exposição: em uma mesma tomada, de baixo para cima, em pontos quase similares da rua paulistana, a fotógrafa coloca no primeiro plano as pessoas que circulam pelo local, revelando o limite entre diferença e igualdade. Vale ainda citar a produção do japonês Kohei Yoshiyuki, que entre 1971 e 1979 retratou com filme infravermelho encontros noturnos de sexo casual em parques de Tóquio. Com delicadeza e sem o apelo das cenas explícitas, Yoshiyuki fala do terreno das obsessões, dos desejos e do voyeurismo (duplo também). NOSSOS TEMPOS De alguma maneira, colocar a aparente simplicidade em evidência pode reforçar ainda mais o caráter já histórico de contextos recentes mundiais. Voltando para os nossos tempos, traduzidos em fotografias de agora, a mostra do paulista Mauro Restiffe, Mirante, com cerca de 30 imagens feitas em São Paulo, Istambul e Nova York, entre outras, abriga duas séries que são especiais nesse sentido. Valendo-se do preto e branco e com uma forte preocupação compositiva, a exposição, com curadoria de Rodrigo Moura, tem seu ponto alto ao colocar, no mesmo piso, a sequência em que o fotógrafo retratou a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília, em 2003, e a do americano Barack Obama em Washington, neste ano (esta, inédita). Nos dois trabalhos não aparecem em nenhum momento os personagens principais, "os elementos de espetacularidade", como diz o fotógrafo. O foco das imagens é a multidão. As fotografias parecem pertencer a outro tempo e a outra situação. Brasília, que é sempre retratada como espaço vazio e para dar destaque à sua arquitetura, afirma Restiffe, é tratada por ele por um outro ângulo - ela está tomada; já a série de Obama "parece um concerto de rock", diz Moura, de certa forma remetendo ao espírito dos anos 60 e dos discursos daquela época, tomados pelo americano. Ainda nessa questão, a exposição The Atlas Group, no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, apresenta o projeto conceitual do libanês Walid Raad, realizado entre 1989 e 2004. Ele explora a indagação de como escrever a história da guerra (no caso no terreno de Beirute) criando personagens, documentos e autores a partir de fatos históricos, todos revestidos pela aura de uma suposta banalidade. Há uma série em que ele coloca imagens de carros-bomba dos quais apenas sobraram seus motores, que sempre resistem a explosões, como caixas pretas de aviões. "Por que o motor é o centro da investigação dentro de um ato de violência?", Raad pergunta. Em outros trabalhos, ele põe sobre imagens de lugares bolinhas de papel colado em diferentes cores - cada uma delas se refere ao país que as fabrica. Já o ucraniano Sergey Bratkov, com a mostra Dias de Glória, no Canal Isabel, também faz sua pesquisa mesclando o inventado e o real (por vezes, fotografando uma espécie de performance, como cenas montadas e falsas). Mas nelas estão sempre os menos favorecidos no contexto de dissolução do comunismo, da União Soviética. Como reforça o curador alemão Thomas Seelig, Bratkov nasceu em 1960, um momento conturbado de seu país, e hoje tudo está mudado. Este cotidiano que é tema do Photoespaña pode ser flagrado seja numa zona de guerra ou ainda no caminho em busca da identidade. A repórter viajou a convite do Centro Oficial de Turismo Espanhol e Iberia Linhas Aéreas

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