A Shoah como você nunca viu antes

O diretor francês Claude Miller fala sobre Um Segredo, que olha de outro ângulo o genocídio dos judeus na França ocupada

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Claude Miller tinha 3 anos no fim da 2ª Guerra. Admite que não tem lembranças diretas daquela época, mas que elas lhe foram plantadas pela família. Integrante de família francesa de origem judaica, Miller cresceu ouvindo histórias de familiares que haviam desaparecido nos campos de extermínio nazistas. Inconscientemente, como diz, ele sempre quis contar uma história de judeus franceses durante a ocupação do país. Mas, como Roman Polanski, ele não queria ser autobiográfico. Polanski encontrou em O Pianista a ferramenta para reviver suas experiências no gueto de Cracóvia (mesmo que, no filme, o gueto seja em Varsóvia). Claude Miller também encontrou a sua chance de expiação no romance de Philippe Grimbert. O cineasta esteve rapidamente no Rio para mostrar seu longa Um Segredo, de 2007. Ele veio ao Brasil em 1982, mostrando Garde à Vue, e em 1992, com L?Accompagnatrice. Miller conversa com o repórter do Estado no terraço de um hotel. A vista é a da praia de Copacabana. Um cenário deslumbrante, mas Miller destaca que existem outros lugares bonitos no mundo. O que fascina no Rio é a energia particular, o clima de sensualidade e alto astral. Ele gostaria de filmar aqui? "Por que não?", responde. Estreado há menos de um ano na França, Um Segredo (Un Secret) fez grande sucesso de público. Como diz Miller, "fiz 16 filmes e alguns foram tão bem que isso me dá cacife para fazer os que me interessam." Talvez de forma inesperada, Um Segredo também fez grande sucesso na Argentina. "Me disseram que é porque o país tem uma forte presença judaica, abrigou muitos nazistas fugitivos e tem uma escola psicanalítica muito importante." Os três elementos estão no filme. O repórter observa que a psicanálise argentina é fortemente marcada por Lacan. "Grimbert (o autor do livro) é lacaniano", ele acrescenta. Um Segredo conta a histórias de um garoto, após a 2ª Guerra. A vida familiar parece tranqüila, mas reina o não-dito. Para enfrentar a solidão, o menino cria um irmão imaginário. Aos 15 anos, descobre que os pais eram cunhados. Outro segredo, ainda mais terrível, marca a história familiar. Uma mulher, desgostosa com o mundo - com a marido e a realidade do mundo dominado por nazistas - assina a própria sentença de morte (e a do filho). A cena é filmada com delicadeza, sem gritaria nem drama. A banalização do mal. "É o limite da perversidade produzida pelo nazismo", explica o diretor. "Não foram só os campos, a destruição externa. A destruição interna foi dolorosa. O nazismo milhões de pessoas se sentirem como lixo, antes de destruí-las." O repórter quer falar do clima de cena. "Era jovem quando li uma frase de um crítico francês que me marcou muito. André Bazin disse que o documentário Nuit et Broullard, de Alain Resnais, possuía doçura terrível. Isso me tocou e ficou. Quis recriar essa espécie de doçura mortal." Miller sempre quis ser diretor de cinema, desde menino. Nos anos 60, virou assistente de François Truffaut para atingir seu objetivo. O cinema que lhe interessa é autoral. Miller só faz os filmes que quer, as histórias que lhe interessam, mas não desdenha o público. "Não filmo só para mim. Filmo para dialogar com o outro." O novo filme, em parceria com o filho, Nathan, conta a história de um garoto que descobre ser filho adotivo. Ele busca (e encontra) sua mãe biológica. Passa a viver duas vidas. O resultado, como em Um Segredo, é trágico. Como foi a experiência de dividir a direção com o filho? "Nathan me forçou a ser mais exigente do que nunca. Se você vai se arrepender depois de não ter feito alguma coisa, por que não fazê-la enquanto pode?" O filme está em processo de montagem. Miller está cheio de expectativa. Quem sabe não volta ao Rio em 2009?

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