A roupa nova do coveiro

Herchcovitch fala da criação dos figurinos de A Encarnação [br]do Demônio, com Zé do Caixão, que estréia na sexta

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Alexandre Herchcovitch tinha 7 anos quando iniciou sua coleção de caveiras. Ele reconhece que era um menino estranho, desde cedo atraído pelo gótico e pelo terror. Na adolescência, quando conheceu a cena underground de São Paulo, Herchcovitch se descobriu em casa. Suas primeiras criações tiveram uma clientela que outros estilistas talvez considerassem bizarra, mas que, para ele, formavam uma escolha natural - prostitutas, travestis. As coleções eram sinistras, no bom sentido, com muitas caveiras que se tornaram marcas registradas, mas foi só em 2004 que Herchcovitch se aproximou do ícone brasileiro do terror, José Mojica Marins, para fazer uma coleção inspirada em Zé do Caixão. Não causa estranheza que ele assine agora os figurinos de A Encarnação do Demônio, o novo longa de José Mojica Marins, que fecha a trilogia de Zé do Caixão, iniciada nos anos 60. O filme estréia sexta-feira em salas de todo o País. Grande circuito, apoio na mídia. O mercado dá outro atendimento a Zé do Caixão e o personagem se prepara para assombrar, numa mostra paralela, o Festival de Veneza. Herchcovitch está dando roupa ?nova? ao coveiro mais famoso do cinema mundial? "Quando a produção me chamou, não quis nem discutir preço. Não foi um trabalho que fiz para ganhar dinheiro, mas por admiração a Mojica e também porque permite que eu me recicle. Como estilista, eu dirijo um negócio que inclui dezenas de funcionários, lojas no País e até no exterior. Eu pauto todo mundo nesta sala - a entrevista está sendo realizada no escritório de Herchcovitch no Bom Retiro - e é bom que, de vez em quando, alguém me paute. Quando isso ocorre, tenho de fazer lição de casa, pesquisar, e isso alimenta meu trabalho de forma muito estimulante e criativa." Herchcovitch raramente fala ?Eu?. Ele diz ?a gente?, o que quando fala fica perfeito com o acréscimo da expressividade de suas mãos. Herchcovitch não consegue parar de gesticular. Reproduzir esse linguajar literalmente resulta artificial. Ele precisa ser ?adaptado?. Não foi fácil para o garoto que aprendeu a costurar com a mãe e tinha preferências ?bizarras? impor seu trabalho no Brasil e ainda ganhar projeção internacional, com direito a peças de sua coleção até num filme fashion como Sex and the City - que ele não leva a sério, é bom acrescentar . Talvez seja por isso que Herchcovitch respeite tanto o criador de Zé do Caixão. O personagem era tratado aqui de trash, como lixo, mas no exterior o trash virou cult com o sucesso de ?Coffin Joe?(nome que o personagem ganhou nos EUA). Herchcovitch lembra que Mojica começou precariamente, mas conseguiu impor seu imaginário a todo o mundo. "Hoje em dia, ele é conhecido e admirado até no Japão. Em lojas de artigos de terror no estrangeiro já vi estantes inteiras dedicadas aos DVDs de seus filmes", conta o estilista. "Um homem desses é um artista que merece todo respeito." Foi justamente o respeito que orientou o trabalho de Herchcovitch como autor dos figurinos de A Encarnação do Demônio. "Seria muita presunção dizer que reinventei a roupa do Zé do Caixão. Mojica criou um modelo - a cartola, a capa - que se impôs e deu dignidade ao personagem. Seu físico não é mais o de 40 anos atrás e esse filme também é mais bem produzido do que os anteriores. O que fiz foi aprimorar o modelo original. A cartola foi feita no luxo, com todo cuidado, por um profissional que ainda trabalha com fôrma. O terno foi confeccionado com cashmere de lã, as camisas do mais puro algodão e tudo duplicado ou triplicado para atender às exigências de uma filmagem. "Ainda devo para o Mojica a versão de verão do terno", brinca o estilista. Os signos todos, a cruz invertida, o escaravelho, foram todos mantidos. "Minha contribuição foi no sentido de dar o melhor para Zé do Caixão."

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