A questão da ética da imagem

Quarentena, dos irmãos Dowdle, beira o horror absoluto em cenas assustadoras

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Jaume, não Jayme, Balagueró é um diretor espanhol na faixa dos 40 anos - nasceu na Catalunha, em 1968 -, que se tornou cultuado em seu país pelas investidas que faz no cinema de terror. Há dois anos, ele fez sensação com REC. Os direitos foram comprados por Hollywood e a versão norte-americana, que se chama Quarentena, que estreou ontem. Se você gostou de A Bruxa de Blair, de Cloverfield, e Redacted, de Brian De Palma -, poderá gostar do filme dos irmãos Dowdle (quem assina a direção é John Erick). Mas é bom ir preparado(a) para emoções muito fortes. A barra é pesadíssima. Assista ao trailer de Quarentena Quarentena inscreve-se nesta tendência atual que consiste em discutir a própria imagem. Como nada se cria, tudo se copia, Daniel Myrick e Eduardo Sánchez fizeram sensação, em 1999, ao vender, primeiro na internet, a história de A Bruxa de Blair, sobre um grupo de cineastas que vai fazer um filme numa floresta, todo mundo morre barbaramente e fica o registro do material filmado para contar, postumamente, a história. Pouca gente sabia, mas os espertos Myrick e Sánchez estavam seguindo a vertente do italiano Ruggero Deodato, que fez, em 1980, o cult Cannibal Holocaust, sobre quatro documentaristas que se perdem na selva da América do Sul e, mais tarde, é encontrado o material que revela seu trágico destino numa tribo de canibais. O filme dos irmãos Dowdle começa com uma repórter de TV (Jennifer Carpenter) fazendo uma reportagem especial, sobre como é o dia a dia de uma equipe de bombeiros. Tudo muito simpático, divertido, a garota é sexy - embora a atriz fique cada vez mais over (e histérica) -, surgem as piadas de praxe sobre mangueiras, etc. De madrugada, o grupo precisa atender à primeira ocorrência. Saem todos em louca disparada pelas ruas. Chegam a esse prédio e começa o pesadelo. Eles têm de atender a uma mulher que vive solitária, uma velha que se revela catatônica, como uma morta-viva. Inesperadamente, ela salta sobre um dos policiais que atenderam primeiro à ocorrência e lhe arranca um pedaço do pescoço. O resto é o horror mais absoluto. Pior do que um caso de mortos-vivos, pior do que a raiva canina, embora os sintomas se lhe assemelhem, a infecção se alastra e as pessoas começam a se infectar e destruir com intensidade cada vez mais furiosa. A repórter de TV e seu cinegrafista tudo documentam, até mesmo brigando - com o policial sobrevivente - pelo direito de gravar imagens e mostrar ao público o que ocorre. O prédio é selado, o grupo, cada vez mais reduzido, fica de quarentena. No início, são quantas? Umas oito pessoas. Uma a uma vai caindo até que na tela permanece somente a derradeira - mas tem o twist final, como sabem os espectadores do filme espanhol. O original era melhor? Tinha uma protagonista mais simpática, pelo menos. E, depois, o diretor Dowdle praticamente copia plano a plano o primeiro filme. Você sabe o que significa essa operação de clonagem. Deve lembrar-se do Psicose de Gus Vant Sant, mas se há um abismo entre o remake e o cult de Alfred Hitchcock, o abismo é quase tão grande entre REC e Psycho. Assustadora como é, e sem limites de bom gosto no que se refere a registrar imagens gráficas de violência, Quarentena é uma experiência profundamente desagradável para espectadores que vivenciarem a epifania de O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher, ou que se encantarem pelo novo Alain Resnais, Beijo na Boca, Não!, que também estrearam ontem. Mas o filme de John Erick Dowdle deve atrair o público jovem como radicalização de uma violência tipo à de Saw, que se multiplicou, virou série e chegou ao quinto título. A questão que esses filmes colocam, principalmente Quarentena, A Bruxa de Blair e Redacted, é a da ética da imagem. Parece absurdo relacionar um filme como o de Brian De Palma, sobre a Guerra do Iraque, com outro como este, mas é assim que o público os recebe nos cinemas (e vai vê-los). Neste sentido, você pode até odiar Quarentena como um anticinema humanista. O difícil é ignorá-lo, pois se trata de uma vertente forte do cinema atual. Serviço Quarentena (Quarantine, EUA/2008, 89 min.) - Ter-ror. Direção de John Erick Dowdle. Cotação: Ruim

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