A polêmica dos municipais cariocas

Jandira Feghali, secretária de Cultura do Rio, agita classe teatral ao criar comissão para definir peças que ocuparão cada espaço

PUBLICIDADE

Por Roberta Pennafort
Atualização:

A criação de uma comissão julgadora para escolher peças a serem encenadas nos teatros da Prefeitura do Rio vem provocando grande discussão entre a classe artística e a nova secretária municipal de Cultura do Rio, Jandira Feghali. De um lado, os artistas bradam que a iniciativa vai burocratizar o processo de produção. E mais: ideologizá-lo, criando um ambiente propício à censura. Já Jandira sustenta que se trata de uma forma de democratizar o acesso dos proponentes aos teatros, além de permitir que a secretaria tenha uma visão global da rede, o que permitirá sua ocupação de modo mais eficiente. Até então, quem quisesse montar uma peça num dos sete teatros da rede municipal entregava seu projeto ao diretor de um deles e cruzava os dedos para ser aceito. Com as mudanças anunciadas pela secretária, tudo mudou: as propostas têm de seguir diretamente à Secretaria, que criou a comissão para analisá-las. O diretor do teatro, agora chamado de diretor-residente, com mandato de apenas um ano, terá voz, mas será apenas uma das vozes. Nas próximas semanas, a Secretaria espera pôr na rua os editais de seleção dos diretores-residentes. A discussão começou bem antes, no início da gestão de Jandira. A secretária deixou artistas em polvorosa ao dizer que os teatros eram tratados como "feudos", em que cada diretor fazia o que bem quisesse. Agora, ela tem de lidar com as acusações de "dirigismo" de parte da classe, que desconfia que a comissão poderá usar critérios ideológicos na hora de escolher as peças que serão apresentadas. Jandira já se reuniu com representantes da classe, contemporizou e explicou que quem errou foi a gestão anterior, que deixou os teatros ao deus-dará, abrindo brechas para "decisões entre amigos", expressão usada pelo subsecretário de Gestão, Randal Farah. Segundo Jandira, valia o "cada um por si", o que, para ela, não pode continuar. Apesar dos panos quentes, o temor continua. "A impressão que eu tenho é que se quer complicar o processo, burocratizar, centralizar. Ninguém vai descobrir o ovo de colombo", diz a atriz Soraya Ravenle, que já passou com suas peças por vários dos palcos da rede municipal. A "complicação" a que Soraya se refere é justamente a criação da comissão, formada por Ana Luisa Lima, coordenadora da rede de teatros; Claudia Zarvos, gerente de artes visuais; Celina Sodré, de artes cênicas; Samuel Araújo, de música, e mais dois consultores: Antonio Pedro (ator e diretor) e Carmen Luz (dança). Eles vão definir, junto com os diretores-residentes (ou companhias-residentes, outra possibilidade aberta pela secretaria), quais espetáculos serão financiados e, enfim, encenados. Escolhido em concurso público, o diretor ou companhia residente poderá montar suas próprias peças ou de convidados, mas, para tanto, precisará chegar a um acordo com a comissão. É o fim da era em que os projetos sequer passavam pela Secretaria. A chegada dos novos gestores deve ocorrer a partir de maio - até lá, as propostas deverão ser mandadas à prefeitura para análise, e o que já estava programado segue em cartaz. Domingos Oliveira desqualifica a comissão: "Eu tenho mais condições de falar de teatro do que qualquer comissão da prefeitura", manifesta-se o ex-diretor do Teatro do Planetário, e com 55 anos de coxia em coxia, tendo lotado plateias com Todo Mundo tem Problemas Sexuais, Amores e Separações. "O que eu vejo é a Prefeitura querer mandar em coisas sobre as quais não entende. Se me pagarem para construir um edifício, eu construo, mas ele cai depois." O advento da comissão foi criticada também com veemência pela crítica de teatro do jornal O Globo e renomada tradutora de textos teatrais Barbara Heliodora. Ela publicou um artigo em que diz acreditar que as novas medidas visem ao "controle ideológico de toda atividade artística e cultural", tal qual na União Soviética e na China comunistas. "A ingerência do Estado na criação artística e em qualquer atividade cultural é fatal: seu único objetivo é alimentar o público com chavões ideológicos e cortar qualquer possibilidade de obras imaginativas e/o realmente reflexivas", escreveu. Jandira - que concorreu à Prefeitura do Rio no ano passado pelo PCdoB - rebate; acha que está sendo mal interpretada. "O que nós vamos fazer é uma seleção pública, que não é para interferir em conteúdo, nem em criação e muito menos fazer censura, que não é nosso papel", explicou. "Queremos dar oportunidade a todo mundo de apresentar seus projetos. Para garantir a diversidade, a pluralidade, nós queremos opinar sobre a programação da rede, por termos uma visão global, e não só de um teatro. A gente não pode permitir que todo mundo mame nas tetas públicas. Ninguém é dono do teatro: nem a Secretaria, nem o prefeito, nem o diretor." À exceção de Karen Acioly, mantida à frente do Centro de Referência do Teatro Infantil (antes simplesmente Teatro do Jockey), todos os diretores da gestão passada foram exonerados. Cláudio Botelho, o premiado realizador de musicais de sucesso (Company, Beatles num Céu de Diamantes, 7 - O Musical), soube de sua saída do Carlos Gomes, depois de oito anos, pelos jornais, ao fim de janeiro. "Teatro é lugar de artista, e não de burocrata. A comissão me parece um erro. Eu não acredito em pensamentos de grupo, e sim individuais. Agora vai cair tudo de novo na burocracia. Para comprar uma lâmpada vai ter de pedir autorização à secretaria." Botelho garante: "Em oito anos, não coloquei um amigo para fazer nada. Fiz o maior público do Carlos Gomes com Ópera do Malandro". "Eu não culpo os diretores. O que existia era uma Secretaria extremamente omissa, com uma rede de teatros que não tinha qualquer diretriz. Não era uma rede, cada teatro funcionava de forma diferente", diz Ana Luisa Lima, coordenadora da rede municipal de teatros e produtora com 17 anos de experiência. "Falar em dirigismo é um equívoco, vem de quem não conhece a equipe. Nenhum dos cinco gerentes tem histórico partidário, muito menos é ligado ao PCdoB. A gente quer dirigir os teatros, ganha dinheiro público para isso."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.