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A perigosa viagem jornalística do ator Sean Penn a Cuba

Tributo ao presidente cubano mostra como parte da esquerda euro-americana não consegue libertar-se do culto a Castro

Por Roger Cohen
Atualização:

Resolvi iniciar 2009 com um filme, assim, na primeira noite gelada do ano fui assistir a Milk, de Gus Van Sant, estrelado por Sean Penn, cujo desempenho é de tirar o fôlego, no papel de um político inteligente, sarcástico defensor dos direitos dos homossexuais, e cuja eficiência e extravagância provocaram um ódio assassino. Ao interpretar Harvey Milk, que foi assassinado em 1978 depois de se tornar o primeiro gay a ser eleito a um cargo público na Califórnia, Penn prova por que é o mais refinado ator característico entre os que estão por aí. Ele vive de modo tão pleno a vulnerabilidade de Milk quanto sir John Gielgud ao encarnar a loucura do Rei Lear. Até mesmo quando ele se apresenta diante de uma comunidade de gays de São Francisco, indignada com as propostas para impedi-los de lecionar em escolas públicas da Califórnia, Penn encarna Milk menos com uma raiva intimidadora e mais com uma indignação vibrante que fala da dor da sexualidade confinada. Ele usa a Declaração de Independência para rebater a intolerância contra a comunidade gay. "Mantemos essas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados igualmente, dotados pelo Criador de alguns direitos inalienáveis..." É um momento vigoroso, que levou ao ponto máximo a minha atual obsessão por Penn. Foi, realmente, o mesmo Sean Penn que acabou de fazer por escrito um tributo bajulador ao presidente cubano, Raúl Castro, ditador que preside uma revolução antiga de 50 anos , e que mandou os gays para os campos de trabalho para corrigir suas "tendências contrarrevolucionárias"? Sim, foi ele, embora Milk trate exatamente de um movimento político de raiz que seria impossível na Cuba dos irmãos Castro, não obstante o fato de os "direitos inalienáveis" de centenas de prisioneiros políticos cubanos serem pisoteados diariamente e de a busca da felicidade para muitos cubanos estar reduzida a uma vida difícil, ganhando vinte dólares por mês. (Sim, sei das realizações de Cuba no campo da educação e da saúde, e os gays já não são mais perseguidos abertamente. Mas mesmo as liberdades básicas, como a de sair do país, são negadas aos cubanos em nome de um socialismo que permitiu ao enfermo Fidel Castro transferir o poder para Raúl, de 77 anos - versão geriátrica da política revolucionária da dinastia Castro). Sean Penn é um escritor medíocre, tão desconexo como jornalista quanto é disciplinado como ator. O dom da imparcialidade é tão importante para o jornalista quanto o da empatia para o ator. Sean Penn tem apenas este último. Sua horrível reportagem de capa no jornal The Nation, em dezembro, foi aprimorada num formato ainda mais interminável no website HuffingtonPost.com, este mês, onde Penn acusa a "mídia convencional" de "fabricar imposturas conscientemente", para depois deixar Raúl Castro divagar durante sete horas sem uma pergunta expressiva, sobre a desastrosa situação econômica de Cuba ou o opressivo sistema político da ilha. Quando li o artigo, havia acabado de retornar de Cuba, onde, entre outras reformas importantes de Raúl, os cubanos tiveram permissão para, pela primeira vez, se hospedar em hotéis (sério!) e para comprar celulares, que custam seis vezes mais seu salário mensal. Mas eis aqui Sean Penn, entusiasmado ao falar como o "raulismo está em ascensão", e permitindo que o presidente proclame, sem qualquer réplica do nosso ator jornalista, que: "Sou o ministro das Forças Armadas que permanece há mais tempo na função, em toda a história. Quarenta e oito anos e meio, até o fim de outubro. Por isso, estou neste uniforme." Sim, senhor presidente, exatamente por isso o senhor deveria tirar esse uniforme e partir. A propósito, Sean Penn viajou para Cuba vindo da Venezuela de Hugo Chávez, num avião emprestado pelo ministro venezuelano da Energia e do Petróleo. Mas, disse ele, é como "um jornalista voando no Air Force One". Aparentemente, Penn não sabe que os jornalistas que viajam no avião presidencial dos Estados Unidos pagam seus bilhetes. Mas não pretendo discutir ninharias. Penn não é o primeiro ator de esquerda seduzido pela revolução, apesar da ditadura: Simone Signoret e Yves Montand viajaram pela antiga Europa Oriental depois que os soviéticos invadiram a Hungria em 1956. A esquerda francesa teve dificuldade em tirar Stalin do seu foco, da mesma maneira que parte da esquerda euro-americana não consegue se libertar do culto a Fidel Castro. Os "idiotas úteis" de Lenin ainda são muitos. E são perigosos. Sean Penn no papel de Milk sabe disso. Penn, o correspondente estrangeiro é muito ativo. Certos direitos são de fato inalienáveis, e o primeiro deles é a liberdade. Os excessos de Wall Street ou o fracasso dos Estados Unidos não mudam isso. Perguntei a Christopher Hitchens, que acompanhou Penn, mas foi esnobado por Castro, por que o ator era assim um escravo do castrismo. "Muitas pessoas não conseguem acreditar que não existe outra alternativa ao livre mercado, a democracia burguesa", respondeu ele. "Seria uma pílula muito amarga para essas pessoas engolirem se a revolução cubana nada mais fosse do que uma piada cruel sobre os cubanos. Às vezes, David tem de triunfar sobre o Golias americano." O romantismo é algo perigoso em política. Não consegui falar com Penn, mas se tivesse, teria lhe dito isto: "Sean, a verdade é tão difícil de apreender para um jornalista quanto para um ator. Dá trabalho. Você jamais deveria ter escrito que esta foi a ?primeira entrevista concedida a um jornalista estrangeiro? em 50 anos. Você não é jornalista." "Os anos Bush nos ensinaram os perigos do amadorismo e quanto a liberdade é preciosa. O seu jornalismo despreza essas lições, mesmo quando a sua brilhante interpretação as ilumina."

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