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A obra da intérprete Maria Bethânia

Cantora recebe distinção antes concedida apenas a compositores, e relembra canções marcantes de sua carreira

Por Roberta Pennafort
Atualização:

"Sim, sei bem/ Que nunca serei alguém/ Sei, de sobra/ Que nunca terei uma obra." Foi com os versos de Sim, Sei Bem, poema de Fernando Pessoa musicado por Sueli Costa, que Maria Bethânia abriu o show que sucedeu à entrega de seu Prêmio Shell de Música, na terça-feira à noite, no Vivo Rio. Pela primeira vez, a láurea foi concedida a uma intérprete, e não a um compositor (nos últimos 26 anos, já foram homenageados de Tom Jobim a Jorge Benjor). O júri (dois jornalistas, um professor, um produtor cultural e dois produtores musicais) considerou que seu trabalho tem "alguma assinatura", como a própria definiu na hora dos agradecimentos - o que torna a escolha da música de abertura ainda mais cheia de significado. "Uma intérprete não pode receber um prêmio sozinha", disse Bethânia, para depois lembrar gente importante em sua bem-sucedida trajetória de quatro décadas: Nara Leão, sua antecessora no espetáculo Opinião, os diretores Augusto Boal, Fauzi Arap e Bibi Ferreira, o maestro Jaime Alem, com quem trabalha desde os anos 80, os compositores que gravou. "Minha mãe está muito feliz. A Bahia também está feliz. Esse prêmio é dos mestres e dos aprendizes, como eu." Apresentada pela atriz Renata Sorrah como "várias", a cantora que "nunca se recostou no trono de ?Abelha Rainha?" e que "sempre fez o que quis" lembrou diferentes fases de sua carreira. Para uma platéia de convidados, seus e da Shell, cantou bastante o irmão, Caetano Veloso (que não compareceu porque estava em estúdio, segundo outro irmão, Roberto, representante da família): O Nome da Cidade, O Quereres, Drama, Não-Identificado (surpreendeu o público, acostumado a ouvi-la na voz de Gal Costa), Reconvexo, Motriz, Céu de Santo Amaro. Cantou Roberto Mendes, compositor de sua Santo Amaro natal muito presente em seus discos (Yá Yá Massemba, Iluminada, Vila do Adeus - errou a letra, desculpou-se e seguiu adiante -, Dentro do Mar Tem Rio), Gonzaguinha (Não Dá Mais pra Segurar, O que é o que é, clímax da noite), Chico Buarque (Rosa dos Ventos, Sonho Impossível, Olhos nos Olhos, Minha História), Dorival Caymmi (João Valentão; Doce, de Roque Ferreira, é linda homenagem ao compositor que morrem recentemente, de autoria de Roque Ferreira), entre outros compositores que fizeram sua história. Como de costume, entremeou canções e textos (Pessoa, Vinicius de Moraes). Apresentou uma inédita, Feito na Bahia, também de Roque Ferreira, que poderia ter sido composta para ela: "Já vim predestinada a cantar assim", conta um verso. "Sou iluminada", diz outro. Mais uma vez, tropeçou na letra - "é a primeira vez que eu canto", justificou, emocionada. A mãe, dona Canô, de 100 anos, ficou em casa. "Ela está andando de bengala, e é muito vaidosa...", disse Roberto Veloso. "Estamos todos orgulhosíssimos com o prêmio." Na platéia, poucos artistas e muitos fãs. "Viemos da Argentina, da Bahia, de São Paulo. É um dia inesquecível na vida dela e na nossa", disse a baiana Neide de Jesus, que, durante o bis, jogou pétalas de flores sobre Bethânia.

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