A música como fator de mudança

John Sayles fala sobre o seu novo filme, Honeydripper - Do Blues ao Rock

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Nome histórico da produção independente dos EUA, John Sayles começou a dirigir em 1980, com um filme que se tornou clássico - Return of the Secaucus 7. Nestes quase 30 anos, ele viu um certo tipo de cinema ?indie? consolidar-se no Festival de Sundance. "Muitas vezes são diretores talentosos que estão querendo impressionar os produtores de Hollywood. É mais ou menos como se dissessem - Olhem o que fazemos com pouco dinheiro. Com mais dinheiro poderemos fazer muito mais." Nesta tentação, John Sayles não tem incorrido. Ele gosta de ser independente para fazer, como quer, os filmes que deseja. Veja o trailer de Honeydripper Estreia hoje o novo trabalho do diretor. Coincidência ou não, Sayles volta à questão racial, e isso no momento em que um negro exerce a presidência do país mais poderoso do mundo. Essa situação seria impensável na época retratada em Honeydripper - Do Blues ao Rock. Numa das cenas do filme, Danny Glover, que faz o protagonista, vai a uma lanchonete da pequena cidade sulista e tem de usar a entrada lateral, onde se lê - ?Colored only?. Mas o diretor não exagera a importância do racismo em seu filme - "Meu cinema em geral trata do mundo em processo de transformação e aqui ela vem por meio da música, da guitarra elétrica que vai encerrar uma fase do blues tradicional e abrir caminho para que o rock se estabeleça. Estamos em 1950 e logo virão Bill Haley e Elvis Presley, iniciando uma revolução que abrange comportamentos." Embora não seja o tema principal, o racismo está no universo retratado - o Sul dos EUA, com suas comunidades segregadas, o xerife corrupto e a importância da religião. É nesse quadro que Danny Glover tenta salvar seu clube de estrada, ameaçado pela concorrência de outro clube que já assimilou um componente da modernidade da época, a juke-box. Ele joga suas fichas na apresentação de um artista lendário, mas o sujeito não aparece. Surge esse garoto que é bom na guitarra elétrica e tem suingue. Ele pode ser uma fraude, mas o tema de Honeydripper também é como a mentira pode revelar sentimentos e coisas verdadeiros. Sayles descarta que tenha feito o filme para anunciar as mudanças que espera que ocorram com Barack Obama. "Aconteceu de as datas terem calhado, mas eu realmente espero que estejamos enterrando a herança de George W. Bush. Meu filme anterior, Silver City, de 2004, já era claramente contra ele e o que representou para a América." Nos EUA, Honeydripper teve boas críticas e até bom público, mas o diretor diz que não é fácil ser independente. "Toda semana estreiam novos filmes, e a maioria é de produções caras de estúdios que investem muito dinheiro na divulgação. Conseguir salas e que o público vá ver nossos filmes já é um ato heroico de resistência", ele avalia. O elenco ajuda bastante, liderado por Danny Glover e integrado por Charles S. Dutton, Vondie Curtis-Hall, Yaya DaCosta, Mable John, Stacy Keach, etc. "Contei com Danny no set somente durante três semanas e meia das oito que duraram a filmagem. Não costumo improvisar nem improvisei nesse caso, mas Danny chegou ao cinema pela via da política, como militante de movimentos por direitos civis. Ele é um líder nato e foi um líder no set." Há algo de Encruzilhada, o filme de Walter Hill, de 1985, em Honeydripper. "Oh, não", diz o diretor, "somente a ambientação sulista. Aquele também é um filme sobre música, no Sul, mas tem um elemento fantástico, o pacto com o Diabo, que é lenda no mundo da música." Serviço Honeydripper - Do Blues ao Rock (EUA/2007, 123 min.) - Drama. Dir. John Sayles. 14 anos. Cotação: Bom

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