A meia-entrada e seus efeitos em questão

Para cineasta, projeto aprovado no Senado não resolve problema, mas ainda falta parecer da Câmara

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Por André Sturm
Atualização:

No último mês do ano, a meia-entrada e seus efeitos sobre a atividade cultural estão em pauta por causa do projeto de lei que acaba de ser aprovado pelo Senado e segue para a Câmara. Muito saudável discutir esse tema porque é da maior importância e seus efeitos são de grande impacto. Nos anos 80 não havia meia-entrada no Brasil. Os cinemas e teatros tinham muito mais público, predominantemente jovem. Os preços dos ingressos eram muito menores, seja descontando a inflação, seja em dólar. Com possibilidade de estabelecer preços, criou-se até mesmo um hábito: o de ir ao cinema às quartas-feiras, dia em que havia uma forte redução nos preços, para todas as pessoas. Hoje, cerca de 70% dos ingressos vendidos são de meia-entrada! Qual é o sentido de um adulto, profissional bem remunerado que decide fazer uma pós-graduação, que custa mais de R$ 1 mil por mês, pagar meia? Ou um juiz aposentado, com salário integral de mais de R$ 20 mil mensais? Isso sem falar nas carteirinhas falsas, e, ainda mais incrível, a venda de carteirinhas por empresas. O efeito é um aumento brutal no preço dos ingressos para conseguir chegar a um valor médio razoável. Mas o problema é que com isso um enorme contingente da população fica excluído do mercado cultural. Toda essa nova classe média, que vem aquecendo a economia do País nos últimos tempos e entrando para o mercado consumidor, não está no radar dos cinemas e teatros. Uma pessoa que ganha R$ 1,5 mil por mês (um salário médio) não tem como gastar cerca de R$ 60 (dois ingressos inteiros mais estacionamento e alguma pipoca) num programa de duas horas. Ou seja, para subsidiar o ingresso para um enorme contingente de privilegiados, exclui-se um outro muito maior. Infelizmente, o projeto aprovado pelo Senado, de meu ponto de vista, não resolve o problema. Limitar a 40% o número de ingressos de meias num espetáculo não implicará a redução do preço das entradas. Apenas como exemplo-limite: numa sala de 100 lugares, caso os 40 primeiros comprem meia-entrada, os seguintes podem desistir de adquirir o ingresso porque não estão dispostos a pagar inteira. Com isso, os 40 ingressos de meia viram 100% do faturamento da sala. O que se precisa é permitir que os produtores possam praticar política de preços. Isso seria possível se fosse estabelecido que a meia-entrada seja calculada sobre o preço cheio cobrado no estabelecimento ou evento. Por exemplo: em um teatro, o ingresso de sábado à noite é de R$ 20. Então, a meia-entrada é R$ 10. Caso o produtor decida cobrar R$ 12 às sextas-feiras, a "meia-entrada" (que não seria mais metade do novo valor) continuaria R$ 10. Assim, cria-se a possibilidade de valores variados, de uma política de preço, sem que exista sempre a meia da promoção. A meia passa a ser uma promoção não cumulativa com outras. Pode o produtor ou exibidor decidir cobrar preços ainda mais baixos que a meia em determinados dias e horários. Duas outras medidas são necessárias: limitar o direito à meia-entrada somente aos estudantes até a graduação. E estabelecer emissão controlada de carteirinhas. Nunca houve tantos recursos destinados à produção e uma diversidade como a atual. Mas o público de cinema e teatro diminui. Todas as iniciativas de apoio ou subsídio ao consumo implicam sempre aumento considerável de público. A possibilidade de mais promoções e redução de preços é passo fundamental para incluir uma enorme parcela da população como consumidora de cultura. A meia-entrada deveria ser instrumento de aumento de público, mas hoje, da maneira como está, encarece o ingresso e cria uma situação injusta. O projeto de lei já passou no Senado, mas ainda resta o parecer da Câmara. As discussões devem continuar. Urge corrigir a rota. André Sturm é cineasta e proprietário da distribuidora Pandora e do HSBC Belas Artes

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