A malta que nos governa

PUBLICIDADE

Por João Ubaldo Ribeiro
Atualização:

É claro que não tenho certeza, mas creio que a grande maioria dos brasileiros se sente enredada num clima de bandidagem, no qual avultam em maior destaque os políticos. Que se espere, talvez, de pessoas mais esclarecidas ou informadas, uma distinção entre os poucos bons e os muitos maus. Mas não se espere isso dos muitíssimos que nem dinheiro têm para comprar um jornal barato, ou nunca viram um jornal, ou não sabem ler, ou estão mais preocupados em conseguir um copo com água para beber, daquela que há séculos vem sendo prometida a seus antepassados e sempre foi para os açudes dos coronéis ou para o saco sem fundo de administradores e empresas delinqüentes. Acredito que essa maioria de brasileiros não vê mais indivíduos entre os políticos. Vê uma massa amorfa, buliçosa e esquiva de ladrões, mentirosos, escroques, assassinos, vivaldinos - o que lá se pense de condição criminal ou moralmente execrável. Se distingue a cara de um ou outro, é como quem distingue um bandido famoso de outro. O resto é percebido como uma geléia geral de, no mínimo, aproveitadores safados, que se cevam no poder e nunca pensaram em ninguém senão neles mesmos, na parentela e na freguesia. Podemos, assim, para usarmos linguagem elegante e compreensível além-mar, nos referir sem medo de errar à ''''malta que nos governa''''. A palavra é quase sempre usada no sentido de corja mesmo, mas também pode ser entendida como, digamos, bando. E bando não é injúria, já que foi termo empregado pelo presidente para referir-se a generais, estamos garantidos nesta. Contudo, devemos lembrar, como várias vezes lembramos antes, os políticos não nos foram enviados de outros planetas, como uma espécie de força invasora de precursão. Lamentavelmente, temos que concordar que são brasileiros como nós, criados como nós, indivíduos daqui como nós. Ou seja, a verdade dói, mas nem por isso deixa de ser verdade: não podemos dizer que são ''''eles'''', temos que reconhecer que somos ''''nós''''. ''''Ah, tou fora dessa, eu nem posso falar em político que tenho de tomar Plasil na veia!'''', poderá você protestar. Está certo, então você confirma a venerável afirmação de que o Brasil não tem povo, tem platéia. Claro, se todo mundo pensar ou, mesmo não pensando, agir assim, está tudo muito certo, está tudo muito bem e, quando tiver o que reclamar, relaxe na poltrona, dê uma risadinha e, se puder, goze. Durante nossa História, fosse na condição de platéia, de governados subservientes (o que até hoje persiste - estou para conhecer povo mais rabo-entre-as-pernas e sim-sinhô que nós) ou até de escravos, ficamos acostumadinhos assim. E nossos governantes também foram ficando acostumadinhos assim. Mais recentemente, conosco na decidida condição de platéia (e platéia dessas frias, que ator detesta e aí capricha para esquentar), eles foram experimentando até onde poderiam chegar. E, vamos convir, de uns tempos para cá estão agindo como se o céu fosse o limite - embora os prazeres que almejem não devam ser dos mais celestiais, no sentido estrito da palavra. O resultado é que a platéia está se desinteressando, pegou raiva, quer o dinheiro dela de volta e, se saírem perguntando por aí o que é que o perguntado acha de se acabar com o Senado, receio que onze entre cada dez responderiam que era uma boa, pelo menos uma economia considerável. O mesmo acontecerá, mais ou menos da mesma forma, se perguntarem sobre a Câmara de Deputados. Vai ver que o ministro do Futuro, o dr. Mangabeira Unger, que, aliás, tem costela baiana (o sotaque não engana) já jogou os búzios e já sabe tudo. O povo acha que nem Senado nem Câmara servem para nada e só fazem atrapalhar - vejam como agora o presidente diz que problema do Senado é problema do Senado, o que ele quer é que isso não o impeça de trabalhar. Só que o presidente, mesmo nos momentos mais distraídos de sua oportuna viagem à Escandinávia, estava cansado de saber que apoiava o dr. Renan Calheiros, que o PT também o apoiaria e que isso ia fazer com que o Senado não o deixasse trabalhar mesmo. Portanto, que é isso? O presidente apoiava uma situação que sabia que no futuro o atrapalharia? Será que, como homem do povo, ele também partilha da visão de que o Senado não serve para nada e deve ser extinto? Muitas vozes de seu partido falaram isso, é interessante. Não há espaço para explicar, mas, graças a Deus, para muita gente não é preciso explicar. Sim, o Senado e a Câmara têm feito o possível para desfigurar monstruosamente sua imagem, mas não podemos passar sem eles. Olhemos a História, não só a nossa como a de outros povos. Agora estamos na posição desconfortabilíssima, quase masoquista, de defender a preservação de instituições cujos membros fazem tudo para que as vejamos como, mais que inúteis, maléficas. Mas temos de defendê-las. E elas têm que ajudar mais do que promete a força humana, porque senão perdemos. O admirável senador Pedro Simon disse que queria ver o povo nas ruas. Não queira, não, Senador, porque não seria para apoiar o Senado, mas para consumar sua morte. E, se perdermos, que acontece? Sou baiano também, mas não ensino em Harvard e aí não sei jogar búzios. Há quem tema, como eu, a gradual instalação de um, com perdão da má palavra, mussolinato, como parece ocorrer na Venezuela - pois quem pensa que aquilo lá é de esquerda acha que Perón foi Lenine. Claro, o presidente disse que não aceitará um terceiro mandato nem que o povo peça. Mas o presidente, sabem como é, não é que minta ou faça promessas falsas, é que, como falou em relação à CPMF, ele muda de idéia. Verdade, já mudou de idéia até a respeito de si mesmo e poderá voltar a fazê-lo. É, pessoal, não é por nada, não, mas vamos tapar o nariz e defender essas casas hoje aviltadas, mas recuperáveis. Há situações piores, posso garantir.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.